O título tem uma interrogação porque a jornalista que assina esta coluna não tem a pretensão de ter a resposta, embora considere essencial levantar o tema. Em uma espécie de reverso do Êxodo - episódio bíblico que narra a saída dos judeus do Egito em busca da Terra Prometida -, centenas de milhares de pessoas são forçadas a abandonar o pouco que têm para se desviar de ataques mortais. E muitas vezes, não conseguem.
São seres humanos israelitas e palestinos. Os primeiros carregam o trauma de um sangrento ataque terrorista em 7 de outubro. Os outros - os civis, não os braços armados de um movimento cujo objetivo é impossível de alcançar - vivem há décadas em situação precária, com acesso intermitente a água, luz e comida.
Na sexta-feira (13), o Conselho de Segurança de Organização das Nações Unidas (ONU) foi incapaz sequer de produzir um documento condenando a violência. A criação de corredores humanitários para tirar civis da mira de mísseis, então, pareceu um objetivo inalcançável.
Essas áreas livres de bombardeios, que possibilitariam a civis abandonar zonas de guerra em segurança também permitem transporte de alimentos, água, eletricidade e medicamentos para áreas de conflito. Como madres teresas não fazem guerra, existe o risco de que sejam usados para a entrada de armas e combustível. Essa é uma das origens do impasse.
Outra pode ser chamada de geopolítica da crueldade. O bem-estar de cidadãos israelenses ou palestinos não é a atual prioridade. Ao ser criado, em 1987, o Hamas apontava dois objetivos: programas sociais para os palestinos e a destruição de Israel. Desde 7 de outubro, a prioridade de Israel é destruir a "capacidade terrorista" do Hamas, como disse à CNN o embaixador do país na ONU, Gilad Erdan, que também proferiu uma frase assustadora:
— O Hamas cometeu essa atrocidade em larga escala porque eles contam com, e peço desculpas pelo que estou prestes a dizer, mas eles contam com a ONU, assim como fizeram no passado, para vir em seu socorro.
Mesmo com pedido de desculpas, é uma frase paradoxal. O sistema criado depois do horror da Segunda Guerra Mundial para garantir a paz e a segurança - e impedir mais crueldade - deu origem ao Estado de Israel. Vive uma profunda crise há décadas, que o conflito atual aprofunda.
Mas geopolítica da crueldade não se restringe a Israel e Hamas, caso contrário não haveria impasse na ONU. O Irã foi grande financiador do Hamas, e só reduziu a ajuda depois das sanções econômicas impostas há uma década. O Catar - onde acabou de ser realizada uma Copa do Mundo de futebol - banca escolas, orfanatos, restaurantes populares e clubes esportivos que seriam supostamente administrado pelo grupo.
Na quinta-feira (12), o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, anunciou ter falado por telefone com o colega da Síria, Bashar al-Assad, pedindo "para acabar com os crimes do regime sionista contra a nação palestina oprimida". A Síria é aliada da Rússia, a ponto de ter oferecido recursos para o ataque à Ucrânia em meio de uma guerra infindável que faz seus habitantes abandonarem o país.
No caso da Rússia, o embaixador de Israel no país, Alexander Ben Zvi, foi obrigado a afirmar publicamente que o suposto envolvimento no ataque do Hamas era "um total absurdo". Mas a mobilização dos Estados Unidos para apoiar Israel exige que o país ao menos divida o foco de atenção com a Ucrânia.
No sábado, teria havido a primeira reunião entre iranianos e integrantes do Hamas e da Jihad Islâmica. No mesmo dia, os EUA enviaram ao Mediterrâneo um segundo porta-aviões - depois de já ter deslocado para a região o maior de todos. Em tese, seria uma tentativa de evitar o maior temor: a entrada de mais países na guerra. Israelenses e palestinos sofrem como poucas vezes em sua história de dores. O mundo assiste em suspenso. E a geopolítica da crueldade se impõe.