Na definição, a meta contínua de inflação que será adotada no Brasil a partir de 2025 - decisão tomada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) na quinta-feira (29) - significa apenas que o Banco Central (BC) não terá prazo de apenas um ano para cumprir esse limite.
Mas isso não quer dizer que não será cobrado a perseguir o objetivo. agora praticamente permanente: o centro da meta é 3% em 2024, 2025 e 2026 - o último definido na quinta-feira (29), os demais em 2021 e 2022. Mas então, qual é o sentido de definir meta contínua, e não obrigar o BC a cumpri-la em 12 meses?
Na prática, a meta contínua dá mais prazo para que o BC a alcance. Isso significa que, caso haja novas pressões inflacionárias, em vez de ter de explodir o balão dos preços altos em duas ou três pancadas - correndo o risco de fazer toda a economia despencar junto - será possível ir desinflando aos poucos, transformando um choque em pouso suave.
É importante observar que a medida está sendo tomada quando há choques inflacionários no horizonte, ao contrário. A inflação está desacelerando, e os mais recentes indicadores de preços que incluem o atacado, como o IGP-M, da Fundação Getulio Vargas apontam deflação, ou seja, redução generalizada de preços. O IGP-M de junho apontou queda de 1,93% sobre redução anterior de 1,84% em maio. Portanto, a mudança não pode ser considerada casuística, ou seja, adotada com alguma espécie de artificialismo para que o BC tenha mais conforto em iniciar o tão esperado - e tão adiado - início dos cortes no juro.
Na semana passada, a coluna acompanhou o nono Seminário Anual de Política Monetária da FGV, com a participação de Affonso Celso Pastore, Eduardo Loyo e José Júlio Senna. Pastore foi presidente do BC, e os outros dois economistas, diretores da instituição. Os três estavam bastante preocupados com a reunião do CMN, e afirmaram que a melhor decisão que se poderia esperar era a adoção da meta contínua com manutenção da meta de 3%. Detalhe: os três são críticos tanto da política econômica em geral do atual governo e até do arcabouço fiscal de Haddad.
— Espero que o CMN finalmente declare que meta não será alterada. No Brasil, o patamar de inflação de 3% ao ano ainda não está consolidado. Na hora em que consolidar, o período de aferição se resolve. Mas é importante manter o formalismo de explicações anuais (a carta aberta do presidente do BC) — disse Senna.
— Se a mudança for bem feita, não criar sensação de que é uma meta para alcançar a perder de vista, pode ser um ganho em termos de credibilidade para o regime de metas de inflação. Não dá para ficar perseguindo, a ferro e fogo, a inflação do ano, o que não se consegue mesmo — afirmou Loyo.
— Espero que esse CMN tenha a decisão racional de manter a meta e manter o intervalo estreito ainda que seja meta contínua, o que o BC já faz. Se adotarem meta mais alta, não terá bom resultado para a economia brasileira — fechou Pastore.
Como a coluna relatou, Pastore fez inclusive uma declaração fora de seu tom habitual, dizendo que precisava "denunciar" o "ataque à instituição" do BC com as críticas constantes de Lula e seus ministros. Ou seja, a torcida pela meta contínua e em 3% vem de economistas que não são exatamente simpáticos ao governo. Portanto, ao tomar a decisão que converge para um objetivo do governo Lula - alguma alívio nas pancadas de juro -, Haddad não agradou apenas ao mercado, mas também a economistas muito ortodoxos.
Como funciona o regime de metas
Para garantir que o Brasil não voltará a ter inflação descontrolada, em julho de 1999 foi adotado o sistema de meta de inflação, já empregado em vários países. Veja como funciona:
- O Conselho Monetário Nacional (CMN) define uma meta de inflação, ou seja, o máximo que pode ser tolerado sem aumento no juro. Essa meta tem um centro e dois intervalos de tolerância de igual tamanho. Para este ano, o centro é 3,25%, com margem de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. Ou seja, o teto é de 4,75% em 2023, com a maioria das projeções estimando inflação de 5,06% no ano.
- O CMN é composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do BC (veja detalhes clicando aqui).
- Desde o início da vigência do sistema, o CMN define, sempre no mês de junho, a meta para três anos adiante. Ou seja, na reunião de quinta-feira (29) foi definida a meta de 2026. As metas de 2024 e 2025 já haviam sido fixadas: 3% ao ano, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual. Isso significa que o máximo tolerado será de 4,5%.
- Com a mudança, neste ano e no próximo será mantida a regra atual, ou seja, com exigência de cumprimento da meta ao final de cada ano. A partir de 2025, passa a vigorar a meta contínua, também de 3% até 2026.
- Isso significa que, se em 2023 e 2024 o BC não ficar dentro das margens de tolerância - máxima de 4,75% neste ano e 4,5% no próximo - o presidente da instituição terá de escrever uma carta aberta dirigida ao ministro da Fazenda explicando os motivos do descumprimento e medidas para evitar que isso ocorra.