A primeira manifestação da equipe de transição coordenada pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, foi de que encaminharia uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para autorizar sua "licença para gastar".
Em seguida, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), sustentou que não haveria necessidade de PEC, bastaria uma medida provisória determinando crédito extraordinário. A equipe de Alckmin chegou a bater martelo em favor da PEC, por segurança jurídica, mas agora o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, pediu para segurar o encaminhamento da proposta.
Por trás de uma decisão que afeta os bolsos de todos os contribuintes - todo gasto sem receita equivalente vira dívida sustentada pelo pagamento de impostos -, está uma disputa paroquial. A alternativa da PEC precisa dos favores do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), alagoano e arquirrival de Renan, por sua vez muito próximo de Lula.
Para além da disputa alagoana, há outras questões de fundo: a relação do novo governo com o Centrão e com o orçamento secreto. Para lembrar, Lira - um grande aliado de Jair Bolsonaro - foi muito rápido ao reconhecer o resultado das urnas. É da natureza do Centrão se aproximar do poder, mas a velocidade impressionou.
Caso opte pela PEC em nome da segurança jurídica, o que o novo governo vai ceder ao Centrão em troca da aprovação? Bastará não interferir na reeleição de Lira à presidência da Câmara, como já vem sinalizando? Ou será obrigado a aceitar que o orçamento de 2023, sem verba para manter o pagamento de R$ 600 para o atual Auxílio Brasil inclua R$ 19,4 bilhões para as chamadas emendas de relator (RP9), que não têm carimbo nem transparência?
Esse valor pode fazer a diferença entre o considerado aceitável na "licença para gastar" - estimado em R$ 150 bilhões - e o cálculo preliminar de R$ 175 bilhões feito pela equipe de transição. Já se discute uma forma de direcionar o orçamento secreto para medidas sociais. Cabem perfeitamente na previsão orçamentária das RP9, por exemplo, a recomposição de gastos com Farmácia Popular e merenda escolar, por exemplo.
Isso reduziria o tamanho do chamado waiver fiscal, nome técnico da licença que o novo governo busca para evitar ser acusado de pedalada. Que será aceita pelo mercado e por economistas responsáveis se for "para gastar", mas não se virar "para gastança".