No segundo discurso na noite de domingo (30), o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva anunciou "dois dias de folga". O fim do período coincide com o prazo esperado para definição da equipe de transição, que já deve trazer nomes de ministeriáveis do próximo mandato, possivelmente coordenada pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin.
Nos dois pronunciamentos feitos depois do anúncio oficial do resultado - tanto no mais "presidencial", um texto lido em um hotel, quanto no mais "popular", sobre um caminhão na Avenida Paulista -, o eleito fez questão de dar um recado a seu próprio partido: a vitória não é só dele nem do PT.
O recado é de que todos os aliados que ajudaram a obter a vitória - apertada, por 2,13 milhões de votos , deverão ter lugar no governo. O tom agradou ao mercado: a bolsa abriu com forte queda, mas inverteu a trajetória em pouco mais de uma hora de negociação. Sinal de que a opção de um não petista no Ministério da Fazenda, como Henrique Meirelles, subiu nas apostas de investidores e especuladores.
Como a coluna havia relatado, o "kit Lula", formado por ações de grupos de ensino superior e varejistas, tem forte valorização. A Cogna (Anhanguera) sobe 5,5%, e a Yducs (ex-Estácio), 2,7%. Entre as varejistas, a maior alta é a da Renner (3,8%), seguida por Magalu (1,8%). Outras potenciais beneficiadas por políticas do próximo governo também avançam, como CVC (viagens, 5,8%), e MRV (que cresceu com o Minha Casa Minha Vida, 2,8%). As maiores quedas são da Petrobras (4,5%) e Banco do Brasil (3%), convocados a contribuir para o novo ciclo de crescimento.
Mas a expectativa para os próximos dias ainda é forte volatilidade, ou seja, de sobe-e-desce nos indicadores, até que as linhas básicas sejam definidas. Como a coluna relatou, Meirelles é o preferido do mercado, mas Armínio Fraga, Persio Arida e André Lara Resende se mantêm nas apostas de analistas. Como ainda há ceticismo sobre a "entrega da chave do cofre" a um não correligionário, se Lula optar por um nome "da casa", os mais citados são os do ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha e o do candidato derrotado a governador de São Paulo Fernando Haddad.
Também começaram as especulações para outros nomes da equipe econômica. Como há intenção de desmontar a superestrutura da Economia, voltam os ministérios do Planejamento e, muito provavelmente, um de Indústria e Comércio, ainda que com outro nome. Uma das expectativas é de que Bernard Appy, atual diretor do Centro de Cidadania Fiscal, seja incorporado para destravar a reforma tributária.
Também há expectativa de aproveitamento de Felipe Salto, atual secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, provavelmente no Tesouro Nacional. Salto ajudou a fundar e comandou a Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, que se destacou no acompanhamento fiscal, um dos grandes desafios do próximo governo.
Compromissos de Lula na economia assumidos na Carta ao Brasil de Amanhã
1. No desenvolvimento econômico, repete a intenção de reunir os 27 governadores para definir a retomada de obras paradas e definir prioridades. O documento afirma que "os bancos públicos, especialmente o BNDES, e empresas indutoras do crescimento e inovação tecnológica, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo".
2. Menciona uma "Nova Legislação Trabalhista que assegure direitos mínimos – tanto trabalhistas como previdenciários – e salários dignos", elaborada após "amplo debate tripartite (governo, empresários e trabalhadores)". Pretende criar o Empreende Brasil, com crédito a juros baixos para micro, pequenas e médias empresas.
3. Promete salário mínimo forte, com "crescimento todo ano acima da inflação", o Novo Bolsa Família, com R$ 600 permanentes mais R$ 150 para cada criança de até 6 anos, o Desenrola Brasil, de renegociação para inadimplentes, isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, com reforma tributária. E é a mesma promessa feita por Jair Bolsonaro, em 2018, e nunca cumprida.
4. Afirma que buscará "transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, para uma agricultura familiar mais forte, para uma indústria mais verde". Assume "desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica", sem definir data.
5. Acena com a volta do Minha Casa Minha Vida, sem mencionar meta. Quer um um Novo PAC "para reativar a construção civil e a engenharia pesada" para habitação, transporte e mobilidade urbana, energia, água e saneamento.
6. Para reindustrializar o país, sinaliza com estímulos a indústrias de software, defesa, telecomunicações e outros setores de novas tecnologias. Aponta "vantagens competitivas que devem ser ativadas" nos complexos de saúde, agronegócio e petróleo e gás. Promete "atenção especial" para micro, pequenas e médias empresas e startups.
7. Na política externa, renova a aposta na integração regional, no Mercosul, no diálogo com os Brics, países da África, mas inclui União Europeia e Estados Unidos, que tiveram pouca atenção nos dois primeiros mandatos, para exasperação de diplomatas.