Os laços entre Brasil e Argentina renderam expressões como "efeito Orloff" e "efeito caipirinha" para se referir a movimentos de um país que antecedem eventos em outro. O auge foi nos anos 1990, mas uma curiosa coincidência voltou a acender o alerta para o risco de "ser você amanhã" (leia mais sobre a expressão no final da nota).
Na véspera do anúncio oficial da privatização dos Correios no Brasil, foi decretada a quebra da empresa privada que assumiu o serviço na Argentina nos mesmos anos 1990 do "efeito Orloff". Se há um benefício possível nessa história é aprender como os erros dos outros.
Na segunda-feira (5), conforme o jornal Clarín, a juíza Marta Cirulli decretou a falência do Correo Argentino, cuja controladora é a empresa Socma, da família do ex-presidente Mauricio Macri. Pela decisão, a empresa tem cinco dias para colocar todos os bens à disposição da Justiça.
O motivo do pedido é a cobrança de uma dívida do Correo Argentino com o Estado estimada em US$ 300 milhões. Em 2003, na presidência de Néstor Kirchner, o serviço de entrega de correspondências voltou a ser estatizado. Agora, Macri acusa a administração de Alberto Fernández — que tem Cristina Kirchner, viúva de Néstor, como vice-presidente —, de "vingança" e "perseguição política".
Embora o impasse argentino tenha alta carga política e não afete o serviço, que segue sendo prestado pelo Estado, compõe o quadro de insegurança jurídica que minou a imagem do país e, por consequência, a qualidade de vida dos cidadãos.
As primeiras informações sobre a privatização dos Correios no Brasil sugerem pressa: o objetivo seria realizar um leilão já em março de 2022. Se é certo que é preciso tirar o atraso de um processo conduzido até há pouco em banho-maria, também é necessário garantir um modelo sólido, que evite problemas como o enfrentado agora pelo país vizinho.
Para permitir leilão no primeiro trimestre do próximo ano, o governo pressiona por uma aprovação veloz do projeto 591/2021, já nas próximas semanas, o que já deu margem para os críticos acusarem o Ministério da Economia de tentar "passar a boiada". Não é a mesma coisa, mas é importante que também não pareça ser. O essencial é não deixar esqueletos no armário que depois terão de ser enfrentados pelos contribuintes - como sempre.
Sobre o "efeito Orloff": um comercial de TV dos anos 1980 alertava para o risco de acordar com uma enorme ressaca depois de beber uma vodca de má qualidade com o bordão "eu sou você amanhã" (Orloff, no caso, era a marca "boa"). Quando a Argentina começou a sofrer com a hiperinflação, no Brasil se antevia a mesma ameaça e se dizia que seria a "Argentina de amanhã", logo associado ao "efeito Orloff".
Leia mais na coluna de Marta Sfredo