Enquanto o presidente Jair Bolsonaro faz um discurso que desperta temor em quem mais precisa da vacina contra a covid-19, afirmando que há "preocupação" com efeitos colaterais para "o idoso, quem tem doença", o Brasil pode estar perdendo a corrida da imunização.
Bolsonaro cita o "contrato com a Pfizer", como se estivesse assinado, mas ainda não há garantias de que o Brasil terá acesso às doses que já começaram a ser administradas no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Canadá.
Nos últimos dias, circularam dados de uma empresa de dados científicos chamada Airfinity mostrando a distribuição das doses por países, conforme os acordos feitos com diferentes laboratórios. Os números mostram grande concentração em países e blocos ricos, como Canadá, Estados Unidos e União Europeia, que projeta para o dia 21 o início da vacinação, todos com a fórmula desenvolvida por Pfizer e BioNtech.
Esses dados se baseiam no que é chamado de "pre-order", espécie de encomenda feita muito antes de a vacina ter sido aprovada pelos órgãos reguladores. São contratos que os produtores têm de cumprir conforme sua capacidade de produção. Conforme a Airfinity, essas encomendas alcançam um total de 10,9 bilhões de doses. As estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) são de que o mundo precisa de 15,8 bilhões de doses, porque todas as fórmulas exigem reaplicação para garantir a imunidade. A produção global é projetada em de 13,5 bilhões até final de 2022.
No caso do Canadá, seria suficiente para vacinar cerca de cinco vezes toda a população do país (veja gráfico abaixo). No Brasil, alcançaria para pouco mais da metade, se a vacina de Oxford estivesse disponível, o que não é o caso. Além desse fornecedor, o país só conta com a distribuição organizada pela OMS, a Covax Facility. O levantamento considera todos os acordos, independentemente da efetiva aprovação da fórmula. Embora a desenvolvida pela renomada universidade britânica e a farmacêutica Astrazeneca fosse, de fato, a mais adequada ao Brasil, não deveria ter sido a única aposta.
Essa imunização enfrentou problemas de consistência nos resultados, o que provocou o atraso de seu processo de aprovação em todo o mundo. Foi só depois disso que o Ministério da Saúde buscou pré-acordo com a Pfizer, mencionando a possibilidade de iniciar a aplicação ainda neste mês. Em audiência pública na comissão externa da Câmara dos Deputados sobre a covid-19, o presidente da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, afirmou:
– Alguns países vão começar agora em dezembro. Nós, em dezembro, não conseguimos. Nosso objetivo realmente teria que ser janeiro.
Disse ainda que o fornecimento ao Brasil começará com "quantidades menores, que vão aumentar progressivamente". No primeiro trimestre de 2021, seria o suficiente para vacinar cerca de 2 milhões de pessoas, menos de 1% da população brasileira.
O risco de perder essa corrida se acentuou com a decisão de Jair Bolsonaro de revogar o pré-acordo firmado pelo Ministério da Saúde com o Sinovac, sob a alegação de que a fórmula não havia sido aprovada pela Anvisa . Em todos os países responsáveis, inclusive os Estados Unidos de Donald Trump, esse tipo de contrato foi feito muito antes da autorização do órgão regulador.