![Júlio Cordeiro / Agencia RBS Júlio Cordeiro / Agencia RBS](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/3/0/1/6/8/6_5e6ad18eb3cc6cb/686103_4f8f01464a3b13f.jpg?w=700)
Imagine um lugar em Porto Alegre, mas que não parece Porto Alegre. Imagine uma viagem de, mais ou menos, 50 minutos que passa por duas ou três regiões da cidade e que, para dar aquele ar mais rústico, no trecho final não tem asfalto, nem os paralelepípedos. É chão batido raiz e pronto. Chegamos ao sítio do Pedro Ernesto Denardin.
Fui de carro e percebi depois de andar uns 10 metros que o jeito era estacionar por ali mesmo. Era um carro ao lado do outro num corredor longo. Desci e fui andando na direção da luz quando ouvi uma voz saindo do meio de um belo canteiro de alfaces orgânicas Sotaque porto-alegrense mais carregado que carro de argentino vindo para as nossas praias:
— E aí, boa noite! Prazer, Mano Changes!
— Prazer, Marco Aurélio!
— Bah, tu sabes quantos anos tá fazendo o Pedrão?
— Setenta e cinco!
— Não pode ser!
— É!
— Não acredito, vou olhar no google!
— Pode acreditar!
— Mas como que tu sabes?
— Tava escrito no cartaz lá no portão: Pedro 75 é demaaaaiiiiss!
Nesta hora ficou um silêncio e percebi que só eu tinha lido o cartaz. Deve ser coisa de repórter. Segui mais alguns metros e comecei a ver a magnitude do evento. Porque evento top tem gerador de energia e o que tinha logo na entrada era dos grandes. Na área externa da casa foi armada uma tenda que abrigava os convidados e também o palco onde a banda que acompanha o Pedro pelo Rio Grande animava o pessoal. Era uma espécie de Planeta Atlântida dos Pampas. Saia um e entrava outro artista da terra cantando sucessos. E o Mano foi direto pro palco cantar, junto com o Pedro, um sucesso dos Incríveis e dos Engenheiros:
"Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rollings Stones..."
Caminhando em direção à casa vi o Guri de Uruguaiana fantasiado de Guri de Uruguaiana. Quem estava lá não era o Jair Kobe, era o personagem. Só não vi o Licurgo. Mais alguns passos e encontro o Denis Abrahão:
— Marquinho, meu querido! Minha entrevista bombou no Sem Filtro, hein? Sabe onde é o banheiro?
— Não, mas vamos descobrir. Tá gostando do Quinteros?
— Tô gostando! Time tá melhor, o cara é sério, tem cabelo no peito!
Quase entrando na sala da casa, onde a Rádio Gaúcha fez um estúdio para transmitir o Show dos Esportes, encontro o dono da festa. Abraço apertado, beijo, agradeço pelo convite e digo:
— Teu aniversário é uma reunião da ONU.
— Não, cagalhão! Meu aniversário é ainda melhor...
Olho para a mesa das saladas e a variedade de opções combina com a variedade de pessoas que o Pedro consegue reunir. Por horas ali ninguém é radical em nada: Lula ou Bolsonaro, Grêmio ou Inter. Ali é o momento de cantar, gritar, celebrar, festejar. Enquanto faço esta reflexão, vejo o filho do Maurício Saraiva, que mais parece o Carlinhos de Jesus com pilha Duracell, passar correndo e o pai atrás dando sustentação e uma dica:
— Marquinho, esta salada de maionese está um espetáculo!
Aproveito para me servir com o belo jantar e encontro a mesa abençoada com duas pessoas do departamento comercial. Destino, só pode. Enquanto a Cláudia Praetzel e o Getúlio Deves me dão uma aula, vejo o Alex Bagé conversando com o Tiago Cirqueira. Imagina se o Léo Dias vê a cena? Do palco ouço o dueto Débora Madri e Pedro com um sucesso da trilha da novela Roque Santeiro:
"Estou de volta pro meu aconchego
trazendo na mala bastante saudade..."
Que Elba Ramalho que nada, a Débora é melhor!
Termino o jantar e tenho o prazer de conhecer o Julião. Uma mistura de poeta, humorista e filósofo. A cada duas frases, um sorriso. O cara é uma máquina de histórias boas. Julião, nas horas vagas, também é prefeito de São Jerônimo e anda sempre com o seu fiel escudeiro, o mitológico Batata, ou Batatinha, só para os íntimos. Saio da rodinha e sou chamado pelo Zé Dedão. Dedão é um dos músicos que acompanha o Pedro e dono de uma simpatia impressionante. Conheço a família dele e falamos não de música gauchesca, mas de samba e pagode. A Lura, filha do Dedão é jornalista e fã do meu amigo Thiago André Barbosa. Aproveito a hora para cumprimentar o Zé pela fala sobre o ser humano Pedro Ernesto, quando ele definiu o maior comunicador do Rio Grande com uma palavra: generosidade.
A próxima parada foi no grupo que tinha o Zé Alberto e o Lucianinho. Não tem como não conversar com os dois. O Zé, inclusive, cantou com o Pedro o clássico "Veterano", que tem aquela abertura lindíssima:
"Está findando meu tempo
A tarde encerra mais cedo
Meu mundo ficou pequeno
E eu sou menor do que penso..."
Hora de ir embora, procuro o Pedro para me despedir, e sigo até meu carro quando ouço alguém me chamando, mas não pelo nome. Sabe quando emite sons e você imagina que é alguém chamando?
— Opa, tudo bem? Tem carona?
— Carona?
— É, o Uber não tá vindo aqui. Pode nos deixar no Centro...
— Tá bom, vamos lá!
Era um trio. Um casal e mais um homem. O Marcelo, a Daniela e o Antônio. Vieram de Santiago, especialmente, para o aniversário e, por coincidência, estavam hospedados perto da minha casa. A carona não seria mais até o Centro, mas até o portão do prédio. Amenidades sobre a festa, me falam um pouco de Santiago, eu falo um pouco de São Paulo, onde vivi por 19 anos, e o Antônio se manifesta:
— Sem querer pedir muito, mas será que a gente pode parar num posto? Preciso ir ao banheiro...
Pela minha experiência, quando alguém verbaliza que precisa ir ao banheiro é porque a situação já está causando um certo pânico. Andamos e nada de posto. Mais um pouco e nada do posto. No banco do carona o Antônio se contorcia levemente quando aparece um terreno vazio:
— Para, para, para aqui mesmo!
Parei o carro e ele desceu feito um Bolt na partida para os 100 metros. O Marcelo ainda sugeriu arrancar o carro só para deixar o amigo mais atucanado, mas achei melhor esperar o apurado esvaziar a ansiedade. Na volta para o carro, aliviado e sem nenhuma cerimônia, pega uma garrafinha de água que eu trouxe da festa para hidratar na viagem que era longa e começa a lavar as mãos. Cá com os meus botões, pensei:
— Que folgado! Mas lava as mãos. Tá tudo certo.
Na sequência da viagem aprendi que Santiago tem 49 mil habitantes, que o Xis de lá é melhor que o Xis de Porto Alegre e que a quase tragédia urinária que o Antônio passou lá não existe. É tudo tão perto que sempre dá tempo de chegar em casa. Falando em chegar, só quando entro na rua do prédio que vou deixá-los, pergunto:
— E vocês fazem o quê?
O silêncio foi assustador. Ninguém dava um pio. Nesses segundos que parecem horas, cheguei a pensar se deveria repetir a pergunta ou só rezar. Foi então que a Daniela falou:
— O Marcelo é prefeito!
A risada foi inevitável. O desfecho perfeito para a noite de aniversário do Pedro. Noite com uma escalação de causar inveja e medo no time adversário. Afinal, nem a ONU consegue reunir no mesmo ambiente o Mano Changes, o Denis Abraão, o Guri de Uruguaiana, o Dedão, o Lucianinho, o Zé Alberto, o Julião, o Batatinha, o Alex Bagé, o Marcelo Pirú e o Antônio que, a partir de agora, tem nome artístico: Antônio Pipi.