Já tínhamos o dólar comercial, o dólar turismo, o dólar à vista e o dólar futuro. Agora temos o dólar-Lula, que vem a ser a variação do câmbio em razão da peroração errática do presidente da República, ora em ataques ao Banco Central e ao controle de gastos, ora em juras à responsabilidade fiscal.
Em 31 de dezembro passado, a cotação do dólar estava em R$ 4,84. De lá para cá, subiu mais de 10%. Nem toda essa variação deve ser atribuída à hesitação de Lula quanto à necessidade de segurar despesas. Uma parte tem a ver com a manutenção da taxa de juros nos EUA, o que fortalece o dólar em relação a outras moedas e drena a bolsa de valores no Brasil.
No caso brasileiro, a realidade é óbvia: quanto mais se desconfiar da estabilidade econômica, mais gente comprará dólares ou tirará recursos do país.
Mas o presidente brasileiro, em vez de ajudar a acalmar a sangria, atiçou a especulação ao despejar um repertório populista, na linha de pai dos pobres. “Não tenho que prestar contas aos ricaços, mas ao povo pobre e trabalhador”, disse ele há coisa de duas semanas.
Está certo. Mas é o povo pobre e trabalhador que paga a conta da inflação, que no Brasil de Lula é causada exatamente pelo déficit das contas públicas somado à — veja-se só — subida do dólar, com impacto direto nas importações e nos produtos com preços internacionais, como no reajuste do gás e da gasolina na segunda-feira passada.
Todo político discursa ou dá entrevista para melhorar sua imagem e a de seu governo. Lula passou a ser um curioso caso de governante que, em suas falas, volta e meia sabota o trabalho correto e responsável que tenta ser executado pela dupla de ministros à frente da Economia, Fernando Haddad e Simone Tebet.
O susto da escalada do dólar extraiu de Lula uma posição mais cautelosa sobre os gastos públicos. Para contrariedade da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Lula aceitou que sejam revistas concessões abusivas de benefícios sociais como parte de uma contenção de R$ 25,9 bilhões.
O dólar se acalmou, mas o efeito pode ser passageiro. Basta o presidente titubear. Ou reassumir sua versão de caudilho latino-americano, pela qual o chefe da nação é a única barreira contra as malvadezas do capitalismo internacional.
A ladainha quer fazer crer que o mercado são cinco senhores de charuto na mão decidindo numa sala o que vai acontecer aos outros. Na prática, o mercado somos todos nós, agindo na economia a cada vez que compramos ou deixamos de comprar algo. No caso brasileiro, a realidade é óbvia: quanto mais se desconfiar da estabilidade econômica, mais gente comprará dólares ou tirará recursos do país.
E os brasileiros que acreditaram no real de Lula seguirão pagando a conta da disparada do dólar.