Outro dia, em um evento internacional, ainda antes do constrangedor debate entre Donald Trump e Joe Biden, questionei um aguerrido adepto do Partido Democrata como é possível que não tenham encontrado um candidato melhor. “Por quê?”, reagiu meu interlocutor em tom indignado. “Biden entregou tudo o que prometeu”.
O problema, no caso, não é o passado, mas o futuro. Por ter vacilado em encarar a degradação física e cognitiva de Biden, o Partido Democrata abriu a porta para que um psicopata social como Donald Trump possa ganhar por W.O a chefia da maior potência do planeta e, com ela, o acesso a botões nucleares e a instrumentos financeiros de destruição em massa.
Biden mantém os EUA, e o mundo, no curso das trevas trumpistas porque é o típico cabeça-dura
Não faltam nomes democratas para uma contenda com Trump. Só que Biden precisa tomar aquela atitude que alguns poucos políticos e celebridades adotam com elegância e timing adequado: saber a hora de parar. Imagino que deva ser duro para um sujeito que chama um Boeing 747 como quem chama um táxi colocar o pijama e o chinelo. Mas, em muitas ocasiões, é a coisa certa a fazer, a começar pelo respeito à própria biografia.
A história está repleta de bons e maus exemplos sobre a hora, e a forma, de parar. Barack Obama está envelhecendo bem, engajado em causas, como a produção de documentários, que enriquecem seu currículo. Fernando Henrique Cardoso se atrapalhou para obter o direito à reeleição, mas depois comportou-se como se espera de um estadista: afastou-se da política comezinha, criou uma fundação para promover grandes debates e tornou-se oráculo da sensatez. Já Dilma Rousseff podia ter ido para casa após o impeachment e se preservado, mas não: insistiu numa candidatura ao Senado por Minas Gerais e foi humilhada com o quarto lugar na preferência popular.
No Esporte, ao invés de bater bola numa quarta divisão, Pelé foi imbatível em conduzir a transição de maior jogador de futebol da história para a de celebridade planetária. Vá lá que ele, como Messi, tenha se deixado levar pelos dólares dos EUA antes de pendurar as chuteiras, mas, quando parou mesmo, viveu um infinito circuito de convites e homenagens. Pelé, ressalte-se, também sempre cuidou bem de sua imagem ao se recusar a fazer publicidade de bebidas alcoólicas e cigarros.
Já Biden mantém os EUA, e o mundo, no curso das trevas trumpistas porque é o típico cabeça-dura que acha que dá, que não é bem assim, e que estão exagerando sobre suas evidentes limitações físicas e intelectuais. Sobram bajuladores, falta quem lhe diga a verdade com todas as vogais e consoantes. Nenhuma biografia resiste à falta de autoconsciência, o popular semancol. É um remédio que está fazendo falta na cabeceira de Biden.