Haia - Na Holanda, você roda em estradas sobre barragens erguidas em vastas extensões do Mar do Norte, admira moinhos de ventos plantados ao longo de canais, em meio a campos de tulipa, e pode imaginar que tudo aquilo pode ter sido meticulosamente deixado ali para embriagar olhares de turistas. O que muitos visitantes não enxergam, contudo, é o que nós gaúchos, e particularmente os moradores da Região Metropolitana, só descobrimos agora a duras penas: um sistema de diques eficiente custa caro, bem como sua manutenção, mas a falta ou falha de ambos não tem preço.
Nenhum país avançou tanto na engenharia de diques quanto a Holanda. A palavra, por sinal, vem de dijk, um elemento onipresente nos Países Baixos que não recebeu esse nome por acaso: um quarto do país está debaixo do nível do mar, e, não fossem pelos diques, 65% ficaria submerso em uma maré alta. Os holandeses convivem com diques há mais de 600 anos, quando se reclamou o primeiro pedaço de mar e ele se transformou em pôlder - outra expressão com origem holandesa que, aliás, é usada pelos técnicos para descrever as terras abaixo do nível do Guaíba, como o Sarandi.
Assim como os moradores da Região Metropolitana, os holandeses se deram conta de forma trágica no que pode resultar um sistema defeituoso. Na noite de 31 de janeiro de 1953, uma tempestade que combinou ventos poderosos com maré altíssima suplantou o sistema de diques no sul da Holanda. Em poucas horas, morreram 1.835 pessoas e 187 mil animais. Em apenas uma aldeia, a de Onde Tonge, 305 pessoas se afogaram. Cem mil perderam suas casas. Mais ao norte do país, um caríssimo e controverso dique, o Afsluitdijk, com 32 quilômetros de comprimento e construído na década de 20, impediu o alagamento de uma enorme e populosa região. A obra se pagou em uma noite.
A tragédia de 1953 levou à construção de um megaprojeto, o do Delta do Sul da Holanda, considerado uma das maravilhas da engenharia moderna e que só foi concluído nos anos 2000. Para os termos de décadas atrás, é um seguro de vida e de patrimônio para milhões de holandeses, mas hoje poucos países se preocupam tanto com a elevação do nível dos oceanos em razão do aquecimento global.
Em Porto Alegre, outra tragédia, a de 1941, legou a construção do atual sistema de diques e casas de bombas. O fato concreto é que ou a concepção do sistema era falho ou ele não teve manutenção adequada ao longo dos anos, ou ambos. É salutar que se absorva agora, ainda que tardiamente, as lições da Holanda. Construir e manter com esmero um sistema de diques eficiente, capaz de enfrentar as mudanças climáticas, ė como um seguro: pode custar caro e ficar anos ou décadas sem se usar. Mas, quando necessário, se paga com sobras em uma noite.