Um milhão de euros. Esse é o valor para Daniel Alves deixar a Penitenciária Brians 2 e poder esperar em liberdade o julgamento dos recursos à pena de quatro anos e meio a que foi condenado em fevereiro. O resultado do pedido apresentado pela advogado de defesa, Inés Guardiola, saiu exatamente no dia em que se completavam 14 meses de detenção do jogador, pela acusação de estupro de uma jovem de 23 anos em um lavabo da área VIP da boate Sutton, em Barcelona, na madrugada de 31 de dezembro. Tão logo Daniel deposite a fiança, sairá pela porta da frente da penitenciária. O que, projetam todos, acontecerá nesta quinta-feira (21).
Daniel contará, outra vez, com a ajuda da família de Neymar. Será ela a responsável pelo depósito da fiança. Outra vez porque, no ano passado, Neymar pai já havia alcançado 150 mil euros para o lateral entregar à Justiça como garantia de uma possível indenização. Esse depósito foi decisivo no julgamento. Isso porque os três juízes da 21º Câmara da Audiência de Barcelona consideraram esse ato uma demonstração de buscar "reparação de dano" à vitima. Como se fosse possível reparar dano a alguém que foi, conforme relatado na sentença, agredida e forçada a fazer sexo no banheiro de uma boate para a qual tinha ido se divertir com duas amigas.
Além do 1 milhão de euros, Daniel também terá de entregar os dois passaportes, o brasileiro e o espanhol, comparecer semanalmente ao tribunal, manter distância mínima de um quilômetro da vítima e evitar qualquer contato com ela. O estabelecimento da fiança é uma garantia para que Daniel cumpra tudo o que foi atrelado à sua liberdade enquanto o Superior Tribunal de Justiça da Catalunha (STJC) analise os recursos. Ao final, cumprindo todos os pontos, o dinheiro volta à sua conta.
O Superior Tribunal analisará os recursos ingressados pela defesa, em que pede absolvição ou, no máximo, um ano de pena, já cumprido; pelo Ministério Público, que considerou branda a pena; e pela advogada da vítima, que considera absurdo o fato de o depósito de 150 mil euros servir como atenuante da pena. Até porque, segundo ela, os próprios juízes haviam solicitado valor antecipado da indenização. Ou seja, passou longe de ser ato voluntário.
A decisão de conceder a liberdade provisória foi definida por dois votos 2 a 1. O voto contrário foi sustentado pelo juiz com o argumento de que nada mudou em relação novembro, quando houve o último pedido para deixar a prisão. Segundo ele, o risco de fuga permanece e, por isso, defende a prisão preventiva ao prazo máximo, de metade da pena (no caso do jogador, mais 13 meses). Os dois votos favoráveis alegam que uma prisão preventiva "não pode se antecipar aos efeitos de uma hipotética pena".
O fato é que a decisão provocou um forte debate na Espanha. A advogada de acusação, Ester García, rapidamente veio a público anunciar que recorreria e alertou que a Justiça mandava à sociedade uma mensagem perigosa, a de que o dinheiro poderia determinar penas para crimes contra mulheres.
— Não encontro explicação para essa decisão. Se o agressor está em liberdade, isso é uma revisitação da vítima (ao crime que sofreu). Além disso, se distigue que há uma Justiça para ricos e outra para pobres — resumiu Ester.
Líderes feministas se manifestaram nas rede sociais. A Comisión 8M, que congrega movimentos em prol dos direitos das mulheres de todo o país, disse que "a Justiça não é só patriarcal, mas classista, depende de sua condição econômica". A ex-ministra da Igualdade Irene Monteiro criticou a decisão da Justiça pela "perigosa mensagem de falta de proteção às mulheres" e de que "os homens poderosos podem comprar sua liberdade". Irene Monteiro, líder feminista com 766,3 mil seguidores no X e voz forte das mulheres na Espanha, foi na mesma linha: "Os homens poderosos podem comprar sua liberdade, essa é uma mensagem perigosa de falta de proteção às mulheres. Necessitamos que a Justiça seja feminista e igual para todos". Angela Pam, líder feminista de Pontevedra, foi contundente: "...O tempo passa, e o problema segue igual. Os corpos das mulheres são de quem pode pagar".
O dia da vitória de Daniel foi de sentimento de derrota para as mulheres. Em 2016, elas foram às ruas protestar contra o caso que ficou conhecido como La Manada. Conseguiram que os cinco jovens de Sevilla que estupraram uma jovem de 21 anos na Festa de san Fermín tivessem a pena revista e alterada, de abuso para violência sexual. Esse caso foi o embrião para a criação da Ley do Solo Sí es Sí", aprovada em 2022 e que tem o consentimento como guia principal. Porém, a impressão nesta quarta, entre as espanholas, foi de que se deu um passo atrás.