
Nesta semana, os clubes da Série A aprovaram no Congresso Técnico do Brasileirão o pedido para aumento da cota de estrangeiros. Em vez de cinco, serão sete. Mais do que meio time. É o caminho, impossível resistir à globalização. Mais, há a questão econômica. O futebol brasileiro é o primo rico da América do Sul.
Pagamos salários sedutores, impensáveis em pesos, sejam eles argentinos, uruguaios, chilenos e colombianos, ou guaranis. Ou seja, poderemos ter aqui talentos em espanhol para elevar o nivel do nosso futebol. O ponto em questão é: estamos preparados para o efeito rebote dessa mudança? Saberemos lidar com o impacto que isso terá nas ascensão dos nossos jovens jogadores e, consequentemente, na Seleção?
Antes de mais nada, quero dizer aqui que saúdo a possibilidade de ver nossos times com os melhores do continente. Isso não é problema. Porém, é uma solução torta, que enviará a conta se negligenciarmos nossas categorias de base.
A mudança na cota é ótima para os clubes, mas danosa a médio e longo prazos para o nosso futebol. Não há, e é bom deixar bem claro, qualquer traço xenofóbico nesse meu ponto de vista. Também não se trata da defesa da reserva de mercado. O que me preocupa é o quanto estaremos atentos para lidar com o impacto dessa mudança no surgimento de novos talentos.
Precisamos estar bem cientes de que o futebol brasileiro pensa a curto prazo. O projeto tem o tempo do mandato no clube associativo. Dirigentes assumem cargos e deflagram contagem regressiva. Ou seja, precisam de resultados rápidos.
E quem dá resultado rápido é jogador pronto, não guri da base. Esse leva, boa parte das vezes, mais do que um mandato para se afirmar. Não estamos falando, aqui, do fora de série, que sobe e levanta voo em meses para a Europa. Casos de Endrick, de Vini Jr., de Rodrygo, de Anthony e por aí vai.
Para aquele jogador cuja afirmação requer mais tempo, a ampliação de vagas de estrangeiros é um obstáculo e tanto. Importar jogadores é sempre cômodo para o dirigente.
Seu conceito sobe com a massa, e o contratado chega vem bem recomendado e conta com a paciência de Gandhi da arquibancada. Inversa, aliás, à dispensada à gurizada vinda da base. Vini Jr. foi apelidado de Neguebinha, Adriano Imperador, de Bonecão do Posto. Só para ficar nesses dois exemplos.
Portanto, meus amigos, o cenário está desenhado para que nossos dirigentes usem com vigor a área internacional do aeroporto. Os clubes, é claro, seguirão formando jogadores. Só que o funil estreitou mais ainda. Aí é que está o risco. Corremos o risco de ver, cada vez mais, nossos sub-21 saindo em busca de dias melhores lá fora.
E se perderem diante da nossa vista, amadurecendo e finalizando sua formação em escolas distintas à nossa, adaptando-se a contextos que em nada remetem ao futebol brasileiro. Sem contar que o destino deles será a prateleira média, para baixo, da Europa. O que exigirá um périplo até atingir o primeiro escalão e entrar no nosso radar outra vez.
É só ver os exemplos de mercados importadores que teremos ideia do impacto da estrangeirização dos times. A Itália talvez seja o caso mais emblemático de quem se descuidou quando entrou em vigor a Lei Bosman, que derrubou as fronteiras do futebol na União Europeia. Seus times viraram esquadrões, dominaram o começo do século.
Sua seleção definhou. Ganhou uma Copa, em 2006, e a Euro, em 2021. Mas está há dois Mundiais vendo pela TV. Sua seleção perdeu identidade. Quem tinha Baggio, Massaro, Evani, Vieri e Maldini na virada dos anos 1990 passou a torcer pelos brasileiros Eder, Rômulo, Jorginho, Tolói, Emerson Palmieri. Os três últimos, aliás, campeões da Euro.
A Inglaterra, com a Premier League, passou por processo parecido. A diferença é que a FA (Football Association) acordou a tempo. Enquanto o Chelsea emergia de clube de bairro a time global, o Arsenal montava quase uma seleção francesa e o United virava uma babel multicampeã, a seleção jogava um futebol cinza como o inverno em Londres.
Foi quando a FA criou um projeto para estimular as academias dos clubes. E determinou um número mínimo de jogadores oriundos delas nos grupos, os homegrown players. Entre os 25 inscritos, obrigatoriamente, oito precisam ter jogado, até os 21 anos, três temporadas na academia de um clube inglês. Há casos de jogadores estrangeiros que atendem a esses requisitos, levados ainda na base para a Inglaterra. Mas são exceções.
Hoje, a FA trava uma queda de braço com a Premier League. Seu plano é elevar esse número para 13 e baixar a idade para 18 anos. Quer que novos Sakhas e Phodens surjam em progressão geométrica.
Na França, o sucesso da seleção e sua ascensão ao topo só se deu depois de desenvolvido o projeto de desenvolvimento iniciado a partir de centros como Clairefontaine nos anos 1990. A Alemanha, depois do vice de 2002 com um futebol sofrível, criou um plano nacional de desenvolvimento.
Falamos de países que, assim como fizeram nesta semana os clubes e a CBF, se abriram ao mundo globalizado. Só que, em algum momento, se lembraram de fazer o dever de casa.
E é isso que me preocupa. Não temos por aqui a cultura de fazer o dever de casa.
Ainda mais no futebol.