
Eles falam. A mobilização dos jogadores da Seleção Brasileira contra a participação na Copa América é, além de histórica no seio da CBF, um alento, uma golfada de esperança. Eles falam e, mais do que isso, se posicionam. Pensam fora da bolha de matizes alienantes que o futebol insiste em criar.
Isso tem valor de Copa do Mundo. Porque os jogadores da Seleção são, na teoria, os melhores do país e exemplo para os demais. Estão no Olimpo, sendo observados de baixo e tomados como referência para quem busca um lugar ali. Isso vale para o que fazem com a bola e, também, sem ela.
Ao se erigirem e levarem à mesa de reuniões da CBF a sua opinião, nossos craques estão abrindo uma nova estrada para o futebol brasileiro. Ainda não sabemos o destino que essa discussão terá. Mas sou otimista ao ponto de apostar que haverá um antes e depois da próxima terça-feira no nosso futebol, quando uma posição definitiva será anunciada, ao final do jogo contra o Paraguai.
As informações iniciais vindas dos bastidores da Seleção ainda são imprecisas. Há quem aponte como razão da mobilização dos jogadores o desejo de férias. Trocariam uma competição que perdeu sua razão por descanso e recuperação da temporada. O que não se sustenta tanto, já que, pelo menos para quem joga na Europa (a maioria), há garantia dos dias de férias ao final da Copa América.
Há quem garanta que as férias não estão no horizonte. O que existe é uma insatisfação imensa com a forma como a CBF conduziu o acolhimento à Copa América.
No domingo, os jogadores estiveram com o presidente da CBF, Rogério Caboclo, na Granja Comary. Caboclo está fragilizado no cargo. Há uma crise interna que ele enfrenta, com denúncias de assédio moral e sexual feitas por uma funcionária. Há também um incômodo da comissão técnica com as informações vazadas de que Xavi e Muricy Ramalho teriam sido consultados para o cargo de auxiliar – sem que Tite fosse consultado. O clima está longe de ser ameno.
Caboclo, portanto, saiu de Teresópolis no domingo com alguns pontos, a partir de registros de fotos em conversas animadas com Tite e astros da Seleção, como Alisson. Em nenhum momento, cogitou-se de que a Copa América seria aqui. Até porque, até a noite de domingo, ela estava marcada para a Argentina. Só que, na manhã seguinte, os jogadores foram surpreendidos pelas notícias em sites e TVs de que o Brasil acolheria a competição. Foi quando iniciou-se a convulsão na Seleção.
Articulação
Os jogadores, apoiados pela comissão técnica e por Juninho, coordenador diretor, resolveram marcar sua posição e deixar pública a sua insatisfação. Eles se sentiram usados. A Copa América parou aqui a partir de uma costura feita por Caboclo com a Conmebol e o presidente Jair Bolsonaro. Deixou de ser uma competição e virou uma ferramenta política.
Para Caboclo, que tem uma crise para debelar na CBF. Para o Planalto, que acredita na dimensão de grandes astros da América para tirar o foco de temas candentes e centrais, como as dificuldades em lidar com a pandemia, a CPI e a lenta vacinação. E para a Conmebol, que assim encontra abrigo para entregar, aos seus patrocinadores, uma competição pela qual eles pagaram.
O cenário, portanto, estaria pronto. Só que os artistas, dessa vez, recusaram o palco. Não querem ser eles os portadores de uma mensagem torta. Não querem, eles, ser a parte visível de uma competição continental numa América do Sul que virou a porção do mundo em que mais se perde vidas por covid-19. Não querem entregar espetáculo em um momento no qual o triste espetáculo que presenciamos no dia a dia é de mortes, dor e UTIs lotadas.
Os jogadores não querem mais serem usados como marionetes. E isso precisa ser saudado, porque é histórico, ainda mais na Seleção.
Dinheiro
Como tudo nesse país acaba polarizado e com lado, com a Copa América não seria diferente. Sou da opinião de que ela é desnecessária neste momento. Obedece a protocolos sanitários? Sim, obedece. Mas não é esse o ponto. A discussão está longe de ser prática.
Ela é de conceito. Qual o sentido de se fazer uma Copa América numa América que sangra e chora seus mortos pela covid? Qual o sentido de se fazer uma competição que terá sua quarta edição em sete anos? Tem um sentido, e ele é econômico. Bom, se estamos colocando o cumprimento de contratos acima de vidas, eu sou contra. E serei sempre.
A semana promete. A Copa América deveria começar no próximo domingo, 13. Coloco no condicional porque, realmente, tenho dúvidas se ela acontecerá. Pode até sair, mas é provável que não seja com as estrelas. Os principais jogadores estão se comunicando e firmando uma posição única.
Até terça-feira (8) à noite, quando teremos a 8ª rodada das Eliminatórias finalizada, eles estarão concentrados nos jogos. Depois da partida contra o Paraguai, os jogadores da Seleção anunciarão sua decisão. Esperamos que seja engrossada pelos ídolos das outras seleções. Até porque os jogadores falam. E se posicionam. Os gabinetes, agora, estão sabendo disso.