Dias antes da final da Libertadores 2017, o presidente Romildo Bolzan Júnior me concedeu entrevista na qual, confirmado o tri da América e a valorização de jogadores como Arthur, Luan e Everton, previa que o caminho do clube seria a autossuficiência. Ou seja, pagaria as contas do mês com o que arrecadasse no mês.
Quase cinco meses depois, bati à porta do presidente outra vez, para conferir se sua previsão estava correta. Romildo não só a confirmou como também mostrou otimismo com o futuro imediato do clube. Ao ponto de sonhar com a tríplice coroa.
A fase é excelente. Em uma mesa de centro, repousam lado a lado as taças da Libertadores, da Recopa e a do Gauchão. Com um sorriso, Romildo observou, sem esconder a leveza pelo momento vivido:
— Quando vieste aqui, não havia nenhuma delas.
A seguir, confira trechos da nossa conversa.
Antes da final da Libertadores, entrevistei-o, e o senhor previu que, caso conquistasse o tri e valorizasse os ativos do clube (jogadores), o Grêmio se encaminharia para se tornar autossuficiente. Em que estágio está agora?
Agora, estamos indo por esse caminho. Se observares a execução orçamentária 2017, observarás vários reflexos das políticas adotadas. A primeira delas é de que o incremento das receitas foi maior do que o das despesas. Havia ocorrido em 2016, mas agora foi mais progressivo. O lucro operacional, o Ebitda, aumentou de de R$ 32 milhões para R$ 81 milhões. Isso significa que o Grêmio aumentou muito sua capacidade de gerar recursos. Quando se fala de situação de autossustentabilidade, significa o momento de fazer dentro do mês os pagamentos de tudo, e não chegar ao final do ano e der de vende jogadores, por exemplo, para zerar. Tivemos melhoria no quadro social, arrecadamos R$ 66 milhões, com 90 mil sócios. Em 2015, arrecadávamos R$ 35 milhões, com 45 mil sócios. A perspectiva deste ano é atingir R$ 73 milhões, pela evolução do quadro social. O nosso varejo explodiu, nosso licenciamento é um dos maiores entre os clubes brasileiros e aumentou bastante, os patrocínios também aumentaram. Começamos 2015 com o Banrisul e perdemos a Tramontina. Entraram Laghetto, IPlace, Uber e a própria Umbro. Todos esses processos reproduziram melhoria significativa da receita.
Esse cenário permite, por exemplo, não depender da gestão da Arena.
Em 2015, dizíamos: "Se nós não tivermos a operação da Arena como conteúdo de receita, o Grêmio não será autossustentável". Hoje, posso te dizer que o Grêmio se sustenta sem Arena porque conseguiu obter sucesso em outros indicadores do clube. Nos encaminhamos para uma situação de autossustentável e isso passa pela disciplina para liquidar dívidas, o que cria fluxo de caixa maior. Essa é a estratégia da autossustentação. No momento em que elimina dívidas, e o estoque do Grêmio baixou bastante, traz a possibilidade de gerar mais recursos no mês. É o que está no horizonte de 2018. Liquidaremos dívidas a partir do segundo semestre e chegaremos a 2019 com uma gestão financeira muito mais segura e que possa cumprir os compromissos dentro do mês. E somos obrigados a fazer isso. Vou te dizer por quê.
Por quê, presidente?
Porque mudará o perfil dos pagamentos da Globo nos contratos de TV. No final de cada ano, receberemos mais do que recebemos hoje, pelo contato que se encerra em dezembro. Os pagamentos serão feitos à medida em que os campeonatos andarem. Como o Brasileirão começa em maio, serão cinco meses sem essas receitas de TV. Os clubes receberão menos durante o ano e, ao final do campeonato, como 30% será pago conforme critérios técnicos, aparecerão mais receitas. Assim, o clube tem de estar preparado e saber que aqueles recurso não virão mais na mesma proporção deste ano, quando entram em 12 vezes.
Uma de suas metas era reduzir os custos bancários do Grêmio, que eram perto de R$ 40 milhões. Como está hoje?
Isso já começou a ser reduzido, as amortizações nos levam para isso, Nosso comprometimento bancário mais expressivo acaba no fim do ano. Para 2019, serão pequenos. A ideia é antecipar essas liquidações, de forma que tenhamos fluxo de caixa mais liberado neste ano.
Seu projeto ideal é o quadro social bancar o futebol, Quando isso será possível?
Esse é o projeto ideal de qualquer clube. O Grêmio arrecada quase R$ 7 milhões mensais com o quadro social. Se chegarmos, pela conjuntura de hoje, ao patamar de R$ 10 milhões, nos tornamos praticamente autossustentável no futebol.
Isso significaria o quadro com 120 mil sócios?
Depende do tíquete médio. Mas, para fazermos essas polícias de sócios, nos atrapalha muito as limitações profundas em função de compartilhar com a Arena quando passa do limite de cada modalidade de sócios. Nós já estamos compartilhados com a Arena, tanto que essas receitas não entram para o clube por causa do limitador. No momento em que tudo isso cair, e por isso a necessidade de manter viva a possiblidade da compra da operação do estádio, o Grêmio consegue dar um salto importante na autossustentação a partir de uma única receita. Essa seria a visão estratégica e administrativa perfeita para enfrenar a situação.
Mas a compra da gestão da Arena deixou de ser urgente.
Não é mais uma questão de urgência. Ela é uma meta a ser conseguida, está na ordem do dia. Mas o que o Grêmio conseguiu fazer de receita superou qualquer situação de prejuízo em comparação com o que fazia no Olímpico e deixou de fazer na Arena. Como o Grêmio reagiu frente a isso, obteve sucesso em outros espectros, isso (compra da Arena) deixou de ser importante.
É possível atravessar 2018 sem vender mais um jogador?
Do ponto de vista gerencial, sim, Mas temos de esperar que o Barcelona exerça a opção de compra do Arthur (no meio do ano). Se não a realizar, perdem os 4 milhões de euros, Mas podem chegar aqui e pagar os 26 milhões restantes.
Fala-se muito em interesse europeu no Everton.
O Grêmio mantém a política de preservação enquanto possível. O tempo é fundamental para esses resultados que temos hoje. Fico olhando quando o Maicon pega a gola, o Ramiro corre, o Léo entra, e isso é mecânico. Os gols do Cícero e do Leo em Pelotas, mais uma vez, foi a repetição daquilo que o Ramiro faz. Essa mecânica, o tempo dá. Quanto mais tempo mantiver esse time jogando, mais dará resultado.
Como é sua relação com os jogadores?
De respeito às suas instâncias. Os jogadores têm cultura própria de se relacionar com a direção e uma própria de convivência entre eles. Me coloco num posição de de provedor de uma estrutura e de respeitar os profissionais de cada área. Meu limite é esse. Não me meto de pato a ganso, não me faço de oferecido, mas estou sempre presente. Não preciso estar venerando meus ídolos, mas ter uma relação de lealdade de clube. Em quase todas as reuniões de preparação de jogos, eu falo ao grupo. Não porque quero, mas porque o Renato me pede. Passo um recado de confiança, da conjuntura do jogo, das nossas necessidade. Faço isso porque o Renato acha necessário.
Qual a importância do Renato neste processo do Grêmio?
Ele tem a confiança plena dos jogadores, que seguem tudo o que propõe. E isso é muito difícil de acontecer. Além disso, o Renato compartilha com os jogadores decisões. Esse relacionamento faz com que estejam identificados com o comando técnico. Ele estimula esse entrosamento, gera confiança de que ali se opera um ambiente sadio. Nisso, tem a direção, que respeita individualidades e cria estrutura para que desenvolvam tudo o que podem. Posso dizer que o Renato é peca-chave nessa engrenagem.
Como o senhor, que foi gestor na vida pública, é gestor no Grêmio e em sua atividade profissional, vê o Renato como um líder do vestiário?
Vejo como a coisa mais pura do mundo. Por que, na verdade, os gestores tecnicamente preparados, geralmente não são os melhores. Esses são os que tem a intuição de perceber o ambiente e tomar as decisões por suas percepções. O Renato tem isso. Os mais bem-sucedidos líderes foram os intuitivos.
O senhor acha que, com os investimentos feitos no time, dá para buscar a tríplice coroa?
Nós vamos disputá-la. Ganhar é um detalhe. Dá para buscar, a tentativa de buscar é perfeitamente possível. Vencemos o Gauchão, e o vestiário já estava voltado para o que vem pela frente. Conversei com o Maicon e o Pedro (Geromel), e eles vieram me dizer: "Agora é isso!". Mas acho que podemos ser mais. Vamos disputar os três. Temos condições, sim, de buscar a tríplice coroa. Temos as bases para fazer isso, estamos em nível de futebol no Brasil em que podemos sonhar com isso. Para não parecer presunçoso, arrogante, de que vai ganhar tudo, digo: vamos tentar disputar tudo. Por isso, acho ser possível a tríplice coroa.