O mineiro Enderson Moreira vive no América-MG, sua velha casa, um outro grande momento em sua carreira. Basta vencer o Londrina, no sábado, que garante o título da Série B. Na verdade, basta repetir o resultado do Inter, que enfrenta o Goiás, no mesmo horário, em Goiânia.
Por telefone, o técnico conversou com a coluna. Analisou as agruras da Segunda Divisão, explicou como montou o time de melhor campanha, melhor defesa e primeiro lugar em aproveitamento como visitante.
Enderson também abordou o Inter, mas sempre com um cuidado para não ultrapassar os limites éticos. Porém, não deixou de mostrar surpresa com o desfecho colorado na competição:
— Não esperávamos que demorasse tanto o acesso.
A seguir, confira trechos da conversa com o segundo técnico mais longevo no cargo no Brasil, atrás apenas de Claudio Tencati, do Londrina, seu adversário de sábado.
Como você viu a participação do Inter na Série B?
É claro que o Inter tem chance de ser campeão, temos dois jogos pela frente, tudo pode acontecer. Como aconteceu de a gente estar na frente agora. Era improvável que isso acontecesse. Até pelos confrontos que o Inter tinha, a maioria em casa. Era para ter confirmado o acesso há mais tempo. Isso é o que estava na cabeça de todos, pela equipe qualificada que tinha e pela ascensão que alcançou naquele momento. Quando enfrentamos o Inter no Beira-Rio e fomos derrotados, saí do Beira-Rio com uma sensação boa. Pensei: "Do jeito que jogamos aqui, vamos conquistar o acesso". Fizemos um grande jogo, de igual para igual. Encarar um gigante como o Inter é difícil para uma equipe do tamanho do América. Naquele momento, talvez tenha gerado uma acomodação do Inter. E a gente manteve esticada. E olha que, depois de perder no Beira-Rio, não ganhamos o jogo seguinte em casa.
O acerto do América foi montar um grupo que entendesse o que é jogar a Série B?
Acho que o primeiro acerto foi montar um grupo de muito boa qualidade técnica, Começamos pelos meninos do clube, com potencial para jogar e ajudar. Depois, foi fundamental, no Mineiro, montar uma base. Foi quando estruturamos uma espinha dorsal. No terceiro momento, com a chega desses novos atletas, passamos a ter muito mais alternativas. Não era apenas uma equipe com 11 titulares. Mudamos para ter um elenco forte, muito homogêneo.
Aqui, se diz que o Inter demorou a compreender a Série B. Isso foi mais simples para o América?
Não sei se compreensão de como jogar. Mas o América, acima de tudo, teve compreensão boa das dificuldades de disputar a Série B. Não é uma competição fácil. Ouço algumas pessoas falarem que o nível técnico é muito inferior ao da Série A. Discuto um pouco isso. A Série B tem boas equipes, bem armadas. E contra times bem armados é difícil ganhar jogos. A Série B tem característica de viagens mais desgastantes. Na Série A, as viagens ficam concentradas em Rio, São Paulo, no Sul, que tem quatro ou cinco time, e Minas Gerais, com dois ou três clubes; E as viagens ficam em boa parte nesse eixo. A Série B é mais democrática, tem equipes do Norte, do Sul. do Centro-Oeste e do Sudeste. Algumas delas em cidades do Interior. Pode ver que o Rio não tem integrante da Série B e São Paulo tem dois. As distâncias na Segunda Divisão são maiores, as logísticas são complicadas. O que mais tivemos de entendimento da competição, na verdade, foi em montar grupo homogêneo, sem grandes destaques.
O que você qualifica como grupo homogêneo?
A gente teve mescla. Por exemplo, o Messias é um garoto, o Zé Ricardo e o Matheusinho também. Mas tivemos jogadores que classifico como de meia-idade, aqueles com 26, 27, 28 anos, como Norberto, Giovanni, Luan e Renan Oliveira. E completamos com os mais cascudos, como Rafael Lima, o Lima, o Bill, o Edno e o Ceará, que chegou depois. Tentamos comtemplar essa mescla.
Jogar a Série B exige mais energia do que qualidade técnica?
Olha, vejo equipes na Série B muito bem montadas, muito mais compactadas do que várias da Série A .Tivemos grandes trabalhos neste ano. O Oeste, o Vila Nova e o Londrina são três equipes que ainda estão lutando pelo acesso. São bem mais armadas, com estratégias mais desenvolvidas, bem compactadas. Temos na Série B bons treinadores, que sabem montar boas equipes. Esse aspecto traz dificuldade. Não é fácil jogar contra time organizado.
O segredo do América-MG foi apostar em manter o técnico, apesar do rebaixamento de 2016?
No ano passado, quando recebi o convite, sabia que era praticamente improvável escapar do rebaixamento. Talvez pudesse até usar outra palavra para definir. Mas era realmente improvável que saíssemos daquela situação. Estávamos na 15ª rodada e tínhamos só oito pontos. Sabíamos que era difícil pelo aspecto emocional, o grupo estava cabisbaixo. Na reta final do Brasileirão, conseguimos até entrar na disputa outra vez, ganhamos alguns jogos, mas era inevitável o descenso. A partir daquele momento, começamos a pensar em quem gostaríamos que permanecesse e a formatar o time para 2017. Sabíamos que o investimento seria menor no Mineiro e que, para a Série B, poderiam vir de oito a 10 peças de ótimo nível.
Quantos ficaram do grupo rebaixado?
Aproximadamente (neste momento, começa a fazer a contagem em voz alta)... Os quatro goleiros ficaram. No total, dá em torno de 12 atletas. Desses, apenas três eram titulares. Os demais eram meninos promissores da base, mas que não vinham atuando.
Você recebeu todas as contratações previstas no planejamento para a Série B?
Vieram até mais. No final, recebi 11 jogadores. Como o Bill foi suspenso, buscamos o Edno, que era da mesma característica. Nossa equipe estava bem acostumada com esse perfil de atacante.
O estímulo do América, depois do acesso, passou a ser um prêmio melhor pelo título da Série B?
O prêmio nunca foi a principal razão de mantermos a corda esticada. Todos sabemos das dificuldades de conquista o acesso. São 20 tentando e só quatro conseguem. Só que para os jogadores, o América era a oportunidade do recomeço. Quase todos vinham de temporadas não tão boas, com poucos jogos e algumas decepções esportivas. Imagina o caso do Rafael Lima. Ele era da Chapecoense, Pensa como fica a cabeça de um jogador que conviveu com todos aqueles que se foram no acidente na Colômbia. Todos vislumbraram no América a perspectiva de uma grande oportunidade. Agora, a gente pode marcar a história do clube. Claro que um acesso marca, mas uma conquista de título o deixa eternizado. A Série B está para o América assim esteve para o Inter o Mundial e a Libertadores de 2006.
O segredo na Série B seria apostar em jogadores que buscam retomar a carreira?
Não vejo assim. Na Série A também vemos jogadores com esse perfil. O Roger, do Botafogo, é um exemplo. Quando um jogador cai numa equipe em que o treinador cria possibilidade de ter uma sequência e a tranquilidade, ele se sente à vontade, passa a render mais. Foi isso que houve aqui no América. Eles tiveram uma sequência neste ano que faltou-lhes em outras temporadas. Muitos dos nossos jogadores que tiveram experiência em Série A encontraram aqui um ambiente mais favorável.
Houve uma discussão aqui em Porto Alegre sobre montar um time de Série A para jogar a Série B. Como você acredita que deva ser o perfil de jogador para uma competição dessas?
Quando montamos o time do Goiás, por exemplo, buscávamos muito jogadores com perfil de Série A. Buscamos em grandes clubes atletas jovens que não tinham oportunidade de jogar, casos de Válter, Ricardo Goulart, Renan Oliveira, recém-saído da base do Atlético-MG. o Egídio, por exemplo, estava no Flamengo e havia rodado emprestado. Quem vai disputar a Série B tem de estar com muita fome de dar certo. É difícil jogar a Segunda Divisão, é complicado. Só quem a disputou sabe da dificuldade que é essa competição.
Você permanecerá no América para 2018?
Vou confessar com a maior sinceridade: estava tão focado com a questão do acesso que não pensei nisso ainda. Em seguida, veio a chance do título e não paramos de pensar nele. São dois jogos, ou oito ou nove dias, para que tudo se decida. Não quero me contaminar com nada que não sejam essas duas rodadas finais.
Até quando vai o seu contrato?
Até 30 de novembro. Se houver um adiamento da última rodada, já não poderei comandar o time (risos).
O América vai manter esse grupo para encarar a Série A?
O grande desafio de um clube com o América, é fazer o que a Chapecoense fez nos últimos anos, subir e se manter na Série A. É preciso ter muita inteligência, os recursos são bem menores para uma competição enorme, de muita qualidade técnica, com jogadores fantásticos, com rodagem. O que tenho pregado é que se possa manter a base de grupo. Teremos saídas, mas tem de buscar as reposições.