Três meses e 17 dias se passaram desde que meu pai enviou a seguinte mensagem no grupo da família no WhatsApp: “Bom dia, família. Fui diagnosticado com um câncer numa prega da corda vocal direita. Estou bem”. Era pouco antes de 9h, eu ia para o trabalho. E, como já contei aqui, o chão se abriu em um buraco profundo, cavado pela angústia de não saber o que o destino nos reservava dali por diante.
Diagnósticos de câncer são assim. Chegam quando menos esperamos, sentam-se esparramados pela sala, com a inconveniência de uma visita que não foi convidada, colocam os pés sujos em cima do sofá e nos tiram do lugar de conforto, ditando novas regras para as quais não fomos preparados. Para nós, um baque. Lidar com decisões duras, uma internação inesperada e a inversão de papéis familiares, quando filhos passam a ser responsáveis por cuidar dos pais.
Confesso ter vivido um dos dias mais emocionantes dos meus 37 anos quando, ao chegar ao consultório do Dr. André Fay, nosso oncologista, ouvi que o paciente havia concluído a jornada com nota 10
Muita coisa aconteceu desde então. Foram 28 sessões de radioterapia. Pele queimada, irritação, dor insuportável para engolir e dificuldade em ingerir alimentos, somadas à teimosia do paciente, que detesta sopas e comidas pastosas. Superamos a parte mais difícil do tratamento. E confesso ter vivido um dos dias mais emocionantes dos meus 37 anos quando, ao chegar ao consultório do Dr. André Fay, nosso oncologista, ouvi que o paciente havia concluído a jornada com nota 10. Choramos.
Desde então, tenho refletido sobre os próximos capítulos dessa história toda vez que ouço, carinhosamente, alguém perguntar: “E teu pai, como está?”. Ao que imediatamente respondo que, sim, a etapa mais desafiadora nós vencemos — e méritos para o senhor teimoso, pela força e resiliência.
Mas e daqui por diante? Não sabemos. Ninguém sabe. Há sessões de fonoaudiologia para a retomada da voz, que por ora é um sopro pouco compreensível. E se o tumor voltar? Faremos exames periódicos. Acompanhamento mensal. Depois, anual. E quem nos garante que ele não se sentará na sala novamente? Meu querido amigo David Coimbra, ao lançar seu Hoje eu Venci o Câncer, já apontava para essa questão ao dizer com todas as letras que a vitória sobre o câncer só é possível ser celebrada no presente.
— Nada é definitivo em nenhum sentido na nossa vida. A gente não sabe o que vai acontecer daqui a duas horas ou daqui a 10 anos. A gente tem que se preocupar com o agora. Construir coisas boas no presente para enfrentar o que vier lá adiante. É o que penso. E é como eu tento agir.