Não é de hoje que os brasileiros que detém cargo, título ou sobrenome de família real se percebem acima dos demais. Basta uma olhadinha rápida nos livros de história (pode ser filme, se você tiver preguiça) para verificar a forma como homens e mulheres negras foram tratados pelo andar de cima assim que a escravização foi abolida no Brasil. Repare que não me atenho ao período da escravização em si, quando a legislação tornara oficial a lógica perversa de tratar seres humanos como bichos - muitas vezes pior do que isso. Mas observo o cenário desenhado depois, quando brancos continuaram frequentando escolas, salões de baile e elevadores exclusivos. Aos "inferiores", restaram as ruas, o morro e o elevador de serviço.
O caso do desembargador de São Paulo é só mais um prato no cardápio de arrogância explícita que domina ricos pobres de espírito. O episódio "cidadão, não, engenheiro civil formado" também serve como exemplo dessa realidade.
Ironicamente, naquele caso, a ignorância vociferada pela mulher ao lado do tal "engenheiro" esbarrou na realidade. O fiscal a quem ela se dirigiu é simplesmente o superintendente de educação e projetos da Vigilância Sanitária, Flávio Graça - que, por sinal, tem mestrado e doutorado.
Como se não bastasse a desfaçatez ao rasgar a multa aplicada pelo guarda municipal - servidor público assim como o desembargador - Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira chamou o profissional de “analfabeto”, jogou o papel no chão e ligou para o secretário de Segurança Pública do município de Santos, na tentativa de intimidá-lo. Só faltou chorar e se atirar no chão.
A versão medonha do clássico "você sabe com quem está falando?" não é a primeira e não será a última, infelizmente. Só mostra o quanto ainda estamos longe de erradicar os terríveis sintomas de uma sociedade injusta e desigual, onde alguns pensam que possuem mais direitos do que os outros, exclusivamente pela posição que ocupam. Um comportamento vergonhoso por si só. Mas vindo de quem, por ofício, deveria assegurar o cumprimento a lei é ainda mais preocupante.