No dilacerante Quem Matou Meu Pai, o francês Edouard Louis não economiza no tom da escrita ao apontar o impacto das decisões políticas na vida do cidadão comum. Em um relato confessional sobre a relação com o pai – uma figura autoritária, que não aceitava a orientação sexual do filho –, o autor descreve as dores daquele homem, que se tornariam ainda mais agudas após um acidente de trabalho.
Trago como referência o texto de Louis para revisitar um caso brasileiro
Foi numa fábrica que o pai de Louis teve os discos da coluna esmagados e, por isso, precisou parar de trabalhar por tempo indeterminado. Quando digo que Louis não economizou ao apontar, não é exagero. Ele cita nominalmente presidentes da França e seus ministros cujas decisões impactaram na vida do pai, com a coluna em frangalhos. Uma delas foi a substituição de um benefício mínimo pago a desempregados, no governo Sarkozy. Na prática, caso o beneficiado recusasse ofertas de emprego, perderia o direito ao auxílio. “Depois de algum tempo, você foi obrigado a aceitar um trabalho de varredor em outra cidade, (...) curvado o dia todo recolhendo o lixo dos outros, curvado, enquanto suas costas eram destruídas”.
Trago como referência o texto de Louis para revisitar um caso brasileiro: o confisco na poupança, em 1990, pelo governo Collor. Houve um desespero geral, com brasileiros estupefatos diante do absurdo. Do dia para a noite, economias de uma vida inteira surrupiadas pelo Estado. Houve choro, depressão, ataques de fúria e até quem tirasse a própria vida. Num caso terrível, um dentista de Campos (RJ) se matou com um tiro no ouvido ao saber que suas economias, depositadas na caderneta de poupança, tinham sido bloqueadas.
O tempo passou e, claro, ninguém foi punido. O governo causador ruiu. Mas por outras razões, nada republicanas. Fernando Collor de Mello renunciou. Contudo, restou absolvido anos depois. E, para surpresa de zero pessoas, voltou a Brasília pela porta da frente, com salário pago pelo nosso dinheiro. Talvez por isso, pela história passar com tanto deboche pela nossa cara, a prisão de Collor na última semana tenha feito o brasileiro supor que haja algum tipo de justiça (divina?) nesse país. Mesmo que o caso não tivesse relação com a poupança, mas com um esquema de corrupção (na BR Distribuidora), que, hoje, ainda há quem finja não ter acontecido. Em tempos de corruptos soltos e de condenados que voam em jatinhos da FAB, é uma pontinha de esperança de que, uma hora, a conta vai chegar.