Querida ministra,
Aqui quem fala é a Kelly Matos, jornalista da Rádio Gaúcha, tudo bem? A senhora não me conhece pessoalmente, mas recentemente tivemos uma longa conversa. Eu, a senhora, o Potter e o David Coimbra. Foi uma conversa surpreendente e, diria, muito tocante.
A senhora nos contou sobre ter sido abusada quando criança. Nos deixou paralisados. E eu corri para as plataformas em que eu trabalho para dizer às pessoas que elas não deveriam rir do episódio em que a senhora disse que viu Jesus no pé da goiabeira.
Eu publiquei uma coluna aqui mesmo em GaúchaZH. E a senhora não imagina o tanto de ataque que sofri por ter defendido uma ministra que tem posições mais conservadoras (posso dizer assim?) como as suas. Uma mulher chegou a me escrever dizendo que eu não tinha o menor direito de dizer como as pessoas devem ou não reagir. E que se ela fosse professora ensinaria os alunos a jamais escreverem como eu.
Eu mantive minha posição: as pessoas lhe devem respeito e, inclusive, solidariedade pelo episódio lamentável que a senhora viveu na infância.
Nessa conversa, ministra Damares, a gente falou sobre Jesus. A senhora chegou a dizer que quando uma criança fala em Unicórnio todo mundo aceita numa boa e até acha bonito, mas quando uma criança diz que viu Jesus todos riem dela. Eu entendi que a senhora fazia ali uma referência à quantidade de pessoas que debochou do episódio da goiabeira.
A nossa entrevista repercutiu tanto que até o presidente Jair Bolsonaro, naquele dia, publicou mensagem nas redes sociais a respeito do tema. Teve um monte de gente que correu para apagar posts irônicos e houve até pedidos de desculpa.
Mas o que quero lhe falar é outra coisa. Se a senhora me permite, claro. Eu também me considero bem amiga de Jesus. Não sei se a melhor amiga, porque, né, às vezes piso na bola. Ele sabe. Mas conversamos bastante. Tenho formação católica. O curioso, nesse caso, é que não vim de uma família muito católica. Mas me formei assim. Participei de uma série de movimentos de jovens cristãos. Fui do ONDA, do CLJ, do movimento de Acampamento Juvenil, tão lindamente cuidado pelo padre Eduardo Moesch.
Por lá, conheci alguns dos meus melhores amigos, que cultivo até hoje. Aprendi sobre valores que levo para a vida. Virei fã de música católica - obrigada, Rodrigo Grecco. E em uma noite de oração no grupo Paz e Mel conheci minha passagem preferida da Bíblia: "os jovens na fornalha", no livro de Daniel.
E era justamente sobre Bíblia que eu gostaria de falar com a senhora. Não sobre o antigo testamento, onde está essa passagem que eu referi. Sobre o Novo, onde contam a história desse homem chamado Jesus. Pois foi este homem, ministra, que disse que nós não devemos nos importar com a roupa uns dos outros. Que o que vale é o corpo, o espírito. Ou ainda, em interpretação minha: aquilo que levamos em nosso coração. Está lá. Nos Evangelhos de Lucas e de Mateus.
"Portanto eu digo: Não se preocupem com sua própria vida, quanto ao que comer ou beber; nem com seu próprio corpo, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante que a comida, e o corpo mais importante que a roupa?"
Por isso é que eu resolvi lhe escrever. A senhora disse que estamos começando uma nova era. Até aí, tudo bem. Mas que meninas têm que usar rosa. E meninos, azul. Hein? Jesus continua.
"Por que vocês se preocupam com roupas? Vejam como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem. Contudo, eu digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles. Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, não vestirá muito mais a vocês, homens de pequena fé?".
E, com todo respeito, lhe farei a mesma pergunta: por que a senhora se preocupa com roupas? Olhai, ministra, os lírios do campo. Esses que Jesus cita no Evangelho. Quem sabe o colorido das flores pode nos inspirar a ser melhores, mais humanos e mais fraternos.
Com amor,
Kelly.
