
A delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro e hoje colaborador da Justiça no inquérito que apura tentativa de um golpe de Estado (entre outros crimes), traz a informação de que havia três grupos de pessoas próximas ao presidente e que cada um deles tinha uma visão diferente sobre o que deveria ser feito depois da derrota de Bolsonaro para Lula, em outubro de 2022.
O primeiro grupo era formado por conservadores e tinha entre os integrantes o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do então presidente. Esse grupo sugeriu a Bolsonaro "mandar o povo para casa", após o resultado desfavorável nas urnas, e a colocar-se como um "grande líder da oposição".
O segundo grupo era formado, segundo Cid, por "moderados". Esse grupo concordava com a ideia de que Bolsonaro e aliados sofriam abusos jurídicos — entre elas, prisões — e discordava da condução das relações institucionais que ocorriam no país. Contudo, não defendiam golpe de Estado, eram "totalmente contra isso". Fazia parte desse grupo, por exemplo, o general Freire Gomes, então comandante do Exército. Um dos integrantes, aliás, foi quem sugeriu a Bolsonaro deixar o Brasil e bancou a viagem do capitão aos Estados Unidos.
Por fim, havia o terceiro grupo, chamado "grupo dos radicais". E deste grupo fazia parte, entre outros, o senador gaúcho Luis Carlos Heinze (PP). O grupo era subdividido entre aqueles que insistiam em fortalecer e provar a tese de "fraude" das urnas eletrônicas — e aí anular o resultado da eleição — e os mais agressivos, que defendiam "um braço armado" para virar a mesa.
No grupo das urnas, Heinze então teve uma ideia. O plano era achar alguma coisa errada nas urnas.
Segundo Mauro Cid delatou, o senador decidiu usar um documento do Ministério Púbico Militar, que dizia que o país estava com uso de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), para embasar sua tese. Ele acreditava que as Forças Armadas teriam força para pegar uma urna, sem pedir autorização do TSE ou de qualquer instância jurídica.
Traduzindo: a ideia de Heinze era subtrair uma urna — por meio das Forças Armadas — para encontrar algo de errado e, assim, justificar a anulação da eleição.
Heinze fez chegar a Bolsonaro e ao próprio Mauro Cid esse entendimento inovador de que a GLO permitiriam às Forças surrupiar uma urna a Bolsonaro e ao próprio Mauro Cid. Segundo a delação, nem Bolsonaro aceitou embarcar nessa.
Na terça-feira (18), o ex-presidente Jair Bolsonaro foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), ao lado de outras 33 pessoas. Os crimes a eles imputados são de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado. Para que a ação tenha continuidade, a denúncia precisa ser aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF).