Ex-repórter de Zero Hora, a jornalista gaúcha Eliane Brum, radicada na Amazônia desde 2017 (onde lidera a plataforma de notícias Sumaúma), foi eleita pensadora do ano pela revista britânica Prospect. Um título e tanto.
Multipremiada e respeitada pelos pares, Eliane tornou-se um dos grandes nomes globais na defesa do meio ambiente. Sua voz tem ecoado mundo afora desde que decidiu viver no epicentro do colapso amazônico, em Altamira, no Pará, testemunhando (e reportando) as queimadas, a grilagem, o desmatamento e a violência contra os povos originários.
No médio Xingu, ela pratica um novo tipo de jornalismo, feito em parceria com "jornalistas-floresta" — agentes das comunidades amazônicas convocados a produzir reportagens na região, a partir de suas vivências e de seu olhar (deveríamos prestar mais atenção a eles).
Por videochamada, conversei com Eliane na manhã da última segunda-feira (3) sobre a honraria recebida e o que ela representa. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
Como você recebeu esse reconhecimento?
Eu achei incrível. Estava na redação da Sumaúma com três jornalistas-floresta, quando soube da notícia. Fez muito sentido. A Sumaúma é uma plataforma sobre a Amazônia, a partir da Amazônia. Defendemos a rescentralização do mundo como resposta ao colapso climático, colocando no centro os enclaves onde natureza ainda resiste. Esse reconhecimento internacional é significativo porque leva essa ideia adiante.
Foi uma surpresa?
Foi. Acho que a decisão teve relação com meu livro (Banzeiro òkòtó – Uma Viagem à Amazônia Centro do Mundo), que lancei lá com tradução em inglês. As ideias começaram a circular no Reino Unido. Fiquei feliz com a escolha do meu nome, uma mulher brasileira, jornalista, que tem a reportagem como base e que vive na Amazônia, no epicentro da violência. Não é por ego ou narcisismo. É pelo coletivo.
Esse reconhecimento só faz sentido se tiver ressonância coletiva. A minha visibilidade tem de servir para ampliar a visibilidade sobre os ataques que a Amazônia vem sofrendo
ELIANE BRUM
Jornalista
O reconhecimento pode ajudar a combater o negacionismo climático?
Sim, esse reconhecimento só faz sentido se tiver ressonância coletiva. A minha visibilidade tem de servir para ampliar a visibilidade sobre os ataques que a Amazônia vem sofrendo. Isso é muito importante no momento que estamos vivendo. Eu costumo dizer que o pior negacionismo não é o de Trump ou de Bolsonaro. É o da população.
Se tu aceitas a obviedade da crise climática, isso não faz de ti um não negacionista. É preciso entender que vivemos o momento de maior risco da trajetória da nossa espécie nesse planeta. As pessoas estão vivendo como se o amanhã fosse garantido. O capitalismo nos reduziu a consumidores e sequestrou nosso instituto de sobrevivência.
É preciso abrir mão de muita coisa.
É hora de acordar. Aí no Rio Grande do Sul, isso é ainda mais impressionante, porque o Estado acabou de viver o maior evento climático extremo da sua história. Eu lembro, quando estava na Zero Hora, que a gente falava muito da enchente de 1941. Eu mesma escrevi algumas matérias sobre a história da enchente. O evento de 2024 foi muito pior, e o que acontece? A população reelege um perfeito negacionista.
No final do ano passado, aqui em Altamira, fomos surpreendidos com a chegada de um grupo de gaúchos que, depois de tudo o que tinha acontecido, veio para cá para plantar soja.
O que as pessoas podem fazer para reverter a crise climática?
Não tenho receita nem fórmula pronta. Primeiro, as pessoas têm de perceber que não há mais escolha. Estamos numa guerra contra a natureza que dura séculos e que chegou ao limite. Como dizem os cientistas, estamos em território desconhecido. É lutar ou morrer. Lamento, mas é isso. Negar-se a lutar é sabotar as novas gerações, que já estão vivendo num planeta pior.
Acredito, também, que precisamos refazer as comunidades. Cada vez mais, vivemos vidas autônomas e autômatas, mas a luta tem de ser de todos. Temos de buscar as pessoas ao nosso redor e pressionar por políticas públicas contra o aquecimento global.
Vamos ter de mudar a forma como vivemos. Vamos precisar perder para poder viver.
ELIANE BRUM
Jornalista
A gente deveria estar lutando contra a abertura de uma nova frente de exploração de petróleo na Amazônia. Deveria estar todo mundo na rua por isso. A gente deveria estar exigindo do governo e do Parlamento uma proposta séria, robusta e consistente de transição energética.
A gente deveria estar lutando contra a Ferrogrão (projeto de ferrovia que ligará Sinop, no Mato Grosso, ao porto de Miritituba, no Pará), que vai ser um desastre para a floresta.
A gente deveria estar lutando contra a pavimentação da BR-319, que liga Manaus ao Porto Velho e que, comprovadamente, vai ser outra tragédia para a floresta. Estamos muito perto do ponto de não retorno.
Quem tem privilégios vai precisar perder privilégios. Vamos ter de mudar a forma como vivemos. Vamos precisar perder para poder viver.
Você não tem medo por defender essas ideias, estando no epicentro da crise?
Eu tenho medo, claro, mas o medo faz a gente ficar alerta. Não pode nos paralisar. É claro que tem risco eu estar aqui, falando disso. Mas sou uma mulher branca, de classe média, do sul do país, com visibilidade. Qualquer coisa que aconteça, não será apagada com facilidade. Quem realmente corre risco são indígenas, quilombolas, ribeirinhos agricultores familiares, camponeses, esses, sim, correm risco e muitas vezes morrem no anonimato e na impunidade.