Toda vez que leio ou ouço a expressão no topo deste texto (ou seus derivados, tipo “ideologia de gênero”), fico me perguntando como chegamos a esse nível de neurose coletiva. Só tem uma explicação: campanhas de desinformação, uso político do tema e uma dose de ressentimento ou incompreensão diante do que se tornou impossível impedir: as pessoas têm o direito de amar quem quiserem. Os tempos mudaram.
Dessa vez, a preocupação com a suposta doutrinação (como se alguém de fato tivesse o poder de definir a orientação sexual de outra pessoa ou de incutir isso na cabeça das crianças) levou ao cancelamento de uma peça infantil com 12 anos de história, que já ganhou prêmios e circulou pelo país.
O espetáculo Cuco – A Linguagem dos Bebês no Teatro foi cortado da programação da Feira do Livro de Ivoti, no Vale do Sinos, por pressão de um grupo de pais.
O repórter William Mansque ouviu todo mundo. Está aqui, em GZH. A prefeitura recuou para evitar “possíveis manifestações de protesto”. Com razão, o pessoal da peça se sentiu censurado. Os pais disseram que a acusação de censura é fake news e que só pediram a suspensão por discordar da postura e das atitudes de um professor que participou da concepção do espetáculo. Entidades do setor artístico e a Associação Mães e Pais pela Democracia saíram em defesa dos atores e do diretor.
Resumindo, é um quiprocó danado, como diriam nossos avós.
Antes que me cancelem, quero deixar claro que entendo a preocupação dos pais e me coloco no lugar deles. É natural que queiram proteger as crianças do mundo insano e violento em que vivemos. Tem gente má por aí, e as coisas que circulam nas redes antissociais podem ser assustadoras — embora nem sempre verídicas.
Cuco está disponível no YouTube. Dê uma olhada (abaixo). São coreografias e brincadeiras lúdicas, fofas até, que incluem pais e filhos. Os bebês não são tocados e não assistem à peça sozinhos. Além do mais, como poderiam ser “doutrinados”? Eu realmente não sei.