– Vou ficar por aqui porque gostei da sua cara!
Tinha sido a primeira frase completa. Até então, era uma sequência de resmungos com monossílabos. A filha médica, muito constrangida, tentava amenizar o azedume da mãe que peregrinara por vários consultórios de especialistas que unanimemente recomendaram a retirada cirúrgica daquele pequeno nódulo, típico de um câncer de pulmão. O problema, segundo me segredou a filha, é que, entre a recomendação correta do ponto de vista técnico e a apresentação da proposta de tratamento, tinha sido um ruído só. E a justificativa pela irritação repetida tinha sido sempre a mesma: “Parece que estes doutores não percebem que tenho 87 anos e não quero morrer numa sala de operações”.
Por isso, quando, depois de uma entrevista demorada, respondi àquela frase inicial com um singelo: “Eu também gostei da sua!”, a filha pareceu tão surpresa e feliz que nem quis saber por que, para não quebrar o encanto. E havia na pressa de ir embora a preocupação visível de que a mãe pudesse mudar de opinião. Naquela primeira consulta, eu não conhecia a história das vaciladas todas, incluindo a traumática saída de um consultório, de onde ela partira tão furiosa que só terminou de se abotoar no corredor.
Mesmo com longa experiência clínica, não acho que existam regras rígidas para justificar a espontaneidade da aceitação ou da repulsa, mas aprendi a reconhecer precocemente os doces sinais da conquista do afeto, fundamental na construção da confiança, esse elemento indispensável em qualquer relação humana que pretenda solidez, respeito e durabilidade. Todas as vezes em que vivi essa situação de conquista ou perda de um paciente, por uma coisa tão subjetiva quanto gostar ou não da cara dele, tentei racionalizar as circunstâncias daquele desfecho, e quase sempre tive mais certeza das causas da decepção do que da empatia. Alguém já disse que podemos nos quebrar por confiar demais, mas prefiro correr esse risco, porque os sempre desconfiados são invariavelmente mesquinhos.
Ninguém conseguirá render o máximo no seu trabalho, seja lá o que faça, se não confiar na parceria, a ponto de poder conviver com a guarda baixa, como só conseguem os que confiam.
Em medicina, a submissão ao atendimento de um profissional que não desperte confiança integral só será tolerada por quem não tenha nenhuma condição de escolha. E o desconforto dessa tolerância resignada só fará aumentar a ansiedade do paciente e a frustração do médico, porque, por mais que ambos tentem disfarçar, não há sentimento mais perceptível do que a falta bilateral da empatia.
Quando o afeto recíproco é exercido na sua plenitude, inevitavelmente resultará em gratidão, o mais nobre e exigente dos sentimentos humanos. E que tanta gente desconhece, porque lá no início foi incapaz de despertar confiança, e a relação mirrou desnutrida da nossa essência, tantas vezes mais pobre do que gostaríamos.
Por isso, valorizei tanto quando li, pela primeira vez, esta frase de Michael Balint: “A personalidade do médico é a primeira droga que ele administra ao paciente”, porque, às vezes, quando de mau humor, somos uma droga cheia de paraefeitos.