Enquanto caminhava pelo corredor em direção à sala de espera para informar a uma esposa que seu marido acabara de falecer, me senti, outra vez, um principiante. Com a dor, qualquer tipo de dor, não há como se acostumar, treinar para não sentir ou elaborar na busca de palavras mais amenas. Como essa sensação de despreparo me persegue há décadas, só me resta ironizar os que acusam os médicos de se tornarem rígidos com o sofrimento dos outros. Ou, então, tem uma coisa muito errada comigo.
Encontrei-a encaramujada numa poltrona, sentada sobre as pernas, envolta num poncho de lã pardo. Não precisei falar. De alguma maneira nos comunicamos, e as palavras ficaram supérfluas. Depois de um tempo em silêncio constrito, ela descreveu o dia em que se conheceram e como souberam, naquele encontro remoto, que nunca mais suportariam ficar separados. Havia tanto encanto naquele relato e tanta força naquele sentimento que, quando nos despedimos, instintivamente, substituí o “lamento pela sua perda” por um inesperado “parabéns pela sua vida!”. Ficamos abraçados por mais um tempo, solidários e silenciosos. No meu último aniversário, recebi dela uma mensagem curta e suficiente: “Parabéns pela sua também!”.
Claro que poucos têm, como ela, a intuição, a sorte ou a coragem de perceber, já no primeiro encontro, que aquela escolha era única e última. Por isso, tanta gente passa pela vida tropeçando em afetos falsos ou instáveis e se consome em pena de si.
Tenho um amigo querido que curtiu uma paixão tão grande, mas tão grande, que, quando soube que tinha terminado, adoeceu. Metade para se preparar, porque achou que ia morrer, e metade por não entender o que tinha acontecido. E, no fundo, lá naquele recanto que a gente só acessa quando perde o sono de madrugada, ele acreditava que, se nem tinha percebido, merecia.
Vinte anos adiante, sem nunca mais ter amado, voltou para casa tarde da noite depois de mais uma morna festa de aniversário, e encontrou, embaixo da porta, um cartão que dizia, simplesmente: “Eu queria te abraçar, como faço toda noite antes de dormir. E tu, claro, não percebes porque estás sempre ocupado com esses amores menores!”.
Poucos têm a intuição, a sorte ou a coragem de perceber, já no primeiro encontro, que aquela escolha é única e última
J.J. Camargo
médico
Sentindo-se velho como nunca, conferiu se não tinha ninguém lá fora, se todas as portas estavam chaveadas, ligou o alarme, apagou a luz e se preparou para dormir. Mas, de que jeito, se o passado colocara pedras no travesseiro?
No dia seguinte, precisava acordar cedo. Com o sol, talvez fosse mais fácil conviver com a consciência latejando de afeto desperdiçado. Pelo menos até que a noite voltasse e, com ela, outra vez e sempre, a tristeza.
Ouvira muitas vezes que é tudo uma questão de dar tempo ao tempo e acomodar no coração a ideia de que a vida não é mais do que uma infinita sucessão de perdas.
Mas ninguém lhe contara que, às vezes, nos perdemos de tanto não perceber o que estamos perdendo. E que a alma que envelhece só fica oca.
Sessão de autógrafos
Terei um grande prazer em recebê-los na próxima terça-feira, 17 de outubro, a partir das 18h30min, na livraria Saraiva do Moinhos Shopping (Rua Olavo Barreto Viana, 36), na sessão de autógrafos de meu novo livro, Felicidade É o que Conta.