
Os últimos dias têm sido de movimentação na Polícia Civil gaúcha. O braço investigativo da segurança pública vivencia trocas de postos-chave em departamentos e delegacias. Isso costuma acontecer de forma periódica, mas é mais comum a cada quatro anos, quando os governantes mudam. Não é o caso agora, pois o governo está longe do fim.
A mudança mais recente, que ainda não foi oficializada, envolve o delegado Christian Nedel, que deixará de ser diretor do Departamento de Proteção a Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil. Essa repartição é que chefia as 2e delegacias de atendimento a mulheres no Rio Grande do Sul e as 90 salas criadas com essa finalidade em delegacias multifuncionais.
Nedel seguirá diretor, mas agora no Departamento de Administração Policial (DAP) da Polícia Civil, que cuida de questões funcionais internas. A substituta dele como nova diretora do DPGV é a delegada Tatiana Bastos. A substituição acontece após reportagens da colega Adriana Irion, do Grupo de Investigação da RBS (GDI), que mostraram escassez de efetivo nas delegacias especializadas em Atendimento à Mulher em Porto Alegre, subordinadas ao DPGV. Vítimas chegam a esperar mais de oito horas para registrar ocorrência, sobretudo à noite. O problema vem ocorrendo há um ano, foi aberta uma investigação interna, prometidas mudanças, mas o efetivo continuou escasso para tanta demanda. Em três meses, 307 vítimas relataram ter desistido de registrar ocorrência por enfrentarem demora no atendimento.
O feminicídio é o crime contra a vida mais difícil de prevenir e a pressão sobre os policiais tem sido grande. É que é um delito que costuma acontecer em casa, entre quatro paredes, que o patrulhamento feito por PMs nas ruas não consegue evitar. Como ressaltam especialistas, não é apenas caso de polícia: é multifacetado e sobretudo uma questão de saúde mental, que requer conscientização social e atenção psicológica individual.
Claro que a mulher ameaçada quer resultados imediatos e a demora no atendimento, como vinha ocorrendo, poderia levar a trocas dos delegados responsáveis. O problema é encarado como algo pontual pelo governo, escorado em estatísticas excelentes no quesito combate a todos os crimes, inclusive os desse tipo.
Na semana passada também pediu para deixar o cargo a experiente delegada Vanessa Pitrez, diretora de um dos setores mais importantes da Polícia Civil, o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), especializado em combate a quadrilhas. No lugar dela ficou o combativo delegado João Paulo Abreu, que chefiava a Delegacia de Roubos e Extorsões.
Vanessa é muito ligada à ex-chefe de Polícia e atual deputada estadual Nadine Anflor (PSDB), que tem sido sondada por outros partidos para migrar de legenda, após a recente fusão da agremiação tucana com o Podemos. Há quem veja na substituição da diretora do Deic um recado político aos que não estão alinhados umbilicalmente com o governo estadual. Há quem diga que buscam melhorar ainda mais as estatísticas de combate ao crime no Deic, que já são boas. O tempo vai mostrar o que levou à troca.
O Deic foi em parte desmembrado. Algumas de suas funções foram repassadas a dois novos departamentos criados no início de abril, o Departamento Estadual de Repressão aos Crimes Cibernéticos (Dercc, chefiado pelo delegado Eibert Moreira, ex-Deic) e o Departamento Estadual de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública (Dercap), chefiado pelo delegado Cassiano Cabral (que trabalhou nesse tipo de tema, no Deic).
A troca na cúpula do Deic inevitavelmente provoca mudanças em delegacias. O delegado Max Otto Ritter, algoz de maus servidores públicos, já foi informado que vai deixar a 1ª Delegacia de Combate à Corrupção e ainda não tem destino definido. Foi promovido e pode ganhar, em compensação, cargo de destaque. Na Roubo de Veículos acaba de assumir a delegada Jeiselaure de Souza, que atuou com sucesso em vários setores da Polícia Civil nos últimos anos. Outras peças serão mexidas ainda.
Nos bastidores, a explicação para as trocas é a intenção de não criar feudos, sobretudo de oposição interna à gestão atual da segurança pública (sejam opositores de esquerda ou de direita). O setor é visto no governo, pela boa performance na redução de crimes variados, como a principal vitrine do governador Eduardo Leite numa eventual candidatura à Presidência da República. O certo é que as substituições na Polícia parecem inspiradas na principal frase do romance O Leopardo, do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa: "Algo deve mudar, para que tudo continue como está". No caso específico, seguir com bons resultados.