
Não surpreende que 80% dos homicídios em Porto Alegre sejam praticados por pessoas ligadas ao crime organizado, como mostra o colega Cid Martins em reportagem publicada nesta quarta-feira (2) em GZH. Esse é um fenômeno que ocorre desde os anos 1990, basta perguntar a qualquer promotor de Justiça ou policial veterano. No submundo não existe processo judicial. Desavenças são resolvidas à bala e a pena de morte está em vigor, ainda que informal.
Os jovens podem custar a crer, mas nem sempre foi assim. Até meados dos anos 1980, quando comecei a lida da reportagem na área criminal, os assassinatos, em grande parte, eram cometidos por "cidadãos de bem" (quase sempre, homens). Ainda eram comuns os crimes para vingar a honra. Entravam nessa categoria os homicídios cometidos por maridos que se sentiam traídos e, também, as discussões que terminavam em insultos pesados entre as partes. Vejam: estamos falando do Rio Grande do Sul, onde duelos existiam até a primeira metade do século XX, para reparar uma ofensa (ou suposta ofensa) sofrida - mesmo proibidos desde 1890 pelo Código Penal, eram realizados. Mais no Interior profundo, herança dos países do Prata. No Uruguai, a prática só foi proibida legalmente em 1992.
No Rio Grande do Sul era comum reagir a uma ofensa, real ou até imaginária, com sangue. Esse costume foi predominante, nos homicídios, até meados dos Anos 80, quando brotaram nos presídios as primeiras facções do crime organizado. Ocorreu então uma mudança, começando pela Região Metropolitana. O motivo dos assassinatos lentamente começou a se deslocar do passional para o comercial. Finanças com sangue.
De dentro da cadeia, as facções começaram a teleguiar o controle das ruas, graças ao avanço da tecnologia celular. Vieram então as redes sociais, os vídeos e os assassinatos acompanhados pelos patrões do crime, ao vivo. Daí a inversão do padrão nas estatísticas, com atual predominância de acerto de contas entre facções e brigas internas de quadrilhas. Não que as desavenças inexistam. Pelo contrário. Muitas vezes um homicídio soa como guerra do tráfico, mas na realidade esconde algo passional. Ciúme de algum criminoso em relação a outro homem. Um simples passeio de um jovem em área dominada por gente de outro bairro...Aí não é o fator comercial que move o crime, mas algo tribal.
Faz muito bem o Departamento de Homicídios da Polícia Civil em pesquisar as motivações dos crimes. Entender o cenário é decisivo para combater o problema.