Em uma semana a Polícia Civil gaúcha corrigiu dois problemas que não foi ela que criou. Prendeu, numa praia do Pará, Sandro Alixandro de Paula, o Zoreia, 40 anos, condenado a 243 anos de reclusão. E capturou Marizan de Freitas, 35, condenado a 38 anos de prisão, enquanto esse almoçava tranquilamente numa churrascaria em São Paulo.
Os dois são líderes de uma mesma facção, com base no Vale do Sinos e espalhada por todo o território gaúcho. Zoreia atua no noroeste do Estado, próximo à fronteira com a Argentina. Já Marizan age na Grande Porto Alegre. Ambos estavam foragidos. Receberam permissão para cumprir parte da pena em prisão domiciliar, por razões humanitárias.
Sobre Marizan, ouvimos uma gravação feita por policiais em 2015, na qual, mesmo preso, esse quadrilheiro ordena a morte de um inimigo. O pistoleiro que trabalha para ele chega na casa e depara com mulheres e crianças. Marizan sugere que o matador chame a vítima para uma conversa na rua.
— Chama ele, diz que precisa ter uma conversa e "senta o dedo" (mata) — diz Marizan.
Assim é feito. O assassino dá uns três tiros, tenta fazer mais disparos, mas a arma engasga. Ao fundo podem se ouvir os gritos de mulheres e crianças ao descobrirem que seu familiar foi morto. Morte monitorada ao vivo pelo chefe criminoso.
Zoreia foi liberado pela Justiça em fevereiro, mediante monitoramento eletrônico. Em poucos dias rompeu a tornozeleira e saiu do Estado. Foi para Argentina, Paraguai e finalmente se refugiou no Pará, onde foi encontrado numa praia.
Marizan recebeu permissão para ficar em prisão domiciliar após realizar uma cirurgia numa perna, para sanar dores geradas por um antigo ferimento a bala. Ficou num condomínio de luxo em Capão da Canoa e dali fugiu, dias após a operação.
Aqui é necessário fazer um elogio à Polícia Civil e à Brigada Militar. Delegados e agentes de dois setores da Civil, o Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) e o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), rastrearam os passos dos dois fugitivos até encontrá-los. Contaram, de início, com ajuda de PMs nas buscas no Rio Grande do Sul. Bom exemplo de proatividade das forças de segurança pública.
Agora, a necessária crítica: como integrantes do Judiciário liberaram por "razões humanitárias" dois chefetes do crime organizado? A operação de Marizan, conforme o laudo, não era algo grave, mas crônico, justificada por dores crônicas. O bom senso recomendaria escolta no hospital e devolução à Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), onde ele se encontrava trancafiado.
Já com relação a Zoreia a situação parece ainda mais estranha. Esse ganhou o direito de ir para casa, mesmo que a pena a que está condenado seja impossível de cumprir em duas vidas e meia.
Mistérios que demandam reuniões entre as autoridades para tentar entender. E explicar à sociedade, que paga pelo esforço de recapturar quem já estava preso.