Tivemos acesso ao relatório da PF sobre as buscas ao indigenista Bruno de Araújo Pereira e ao jornalista inglês Dominic “Dom” Phillips, desaparecidos desde 5 de junho na vastidão da Amazônia. O documento, revelado em primeira mão pela Rede Globo, soma 38 páginas, sintético para os padrões de correspondências oficiais. É basicamente uma coleta de testemunhos sobre os últimos passos conhecidos da dupla.
Como já foi extensivamente divulgado, Bruno e Dom iriam ao encontro de um líder pescador apelidado Churrasco, na vila ribeirinha de São Rafael. Esse não compareceu. Testemunhas viram, no entanto, um sobrinho dele, Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, seguir de lancha o barco tripulado pelo sertanista e pelo jornalista.
Pelado já tinha ameaçado Bruno de morte, segundo testemunhas. O sertanista tinha alertado indígenas da região que “corria risco de vida” no encontro, porque discutiria com pescadores ações para evitar que continuassem a predar ilegalmente o pirarucu e outros peixes ameaçados de extinção. Depois disso, o sertanista e o jornalista sumiram.
Pelado está preso desde o início das investigações, porque policiais civis encontraram com ele munição sem procedência legal e drogas. Pesa também contra ele as ameaças que teria feito ao sertanista e o fato de estar no local presumido para o desaparecimento. No barco dele foi encontrado sangue, que está sendo periciado. A Marinha encontrou ainda vísceras humanas boiando num rio na região das buscas, reforça o relatório da PF. Pertences dos dois sumidos também foram achados na água.
Um irmão de Pelado, Oseney da Costa de Oliveira, o Dos Santos, também foi preso, mas pela PF. Ele foi visto nas proximidades de onde o barco do indigenista e do jornalista desapareceu e onde foram encontrados pertences dos dois sumidos. A última informação é de que ele informou aos policiais aonde a dupla teria sido morta.
Fontes acrescentaram para o colunista dados que não estão no relatório da PF. Bruno é funcionário licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai). Tirou licença, sem remuneração, ao ser destituído da função de coordenador-geral da estatal no Vale do Javari.
Bruno tinha caído em desgraça com a nova administração após deixar furiosos garimpeiros, em setembro de 2019. Ele foi peça decisiva na destruição de 60 balsas que mineravam ilegalmente no rio Jandiatuba, situado na Terra Indígena Vale do Javari, onde vivem 19 povos indígenas isolados. A mesma região onde Bruno e Philips agora desapareceram.
A operação virou notícia mundial, porque muitos barcos (na realidade, dragas) foram queimados pelos fiscais da Funai e Ibama. Desde então Bruno estava jurado de morte. Muitos mineradores se queixaram ao governo federal de abusos na ação contra as balsas. Alguns disseram ter ficado quase pelados, que atravessaram o rio nadando. Dias depois, Bruno foi afastado. Aí decidiu se licenciar da Funai e atuar direto com os índios, via uma ONG.
Mas não para aí. Bruno também fora ameaçado por ter ajudado na investigação que resultou na apreensão de 300 quilos de carnes de animais raros caçados e pescados no Vale do Javari, em abril de 2020. Entre os mais predados estão o tracajá (tartaruga, cujo quilo é vendido a R$ 100 na região) e o pirarucu (vendido inteiro por cerca de R$ 1 mil). A suspeita é que a caça e pesca ilegais são usadas para lavar dinheiro do tráfico, inclusive de um criminoso colombiano radicado na região.
São inimigos demais. Um total de 250 policiais e militares procuram por Bruno e Dom desde o dia 5, com uso de duas aeronaves, três drones, 16 embarcações e 20 viaturas. Talvez fosse mais inteligente se essa mobilização de contingente ocorresse preventivamente, no patrulhamento da região, antes de sumiços assim.