Acompanhamos o Supremo Tribunal Federal (STF) mudar mais uma vez sua própria jurisprudência. Os togados decidiram agora que só é obrigatório o cumprimento de penas quando não há mais recursos judiciais pendentes. Os mais revoltados dizem que isso significa que só pobres ficarão atrás das grades, já que aqueles com dinheiro poderão custear despesas com recursos nos tribunais de Brasília que impeçam sua ida para um presídio.
Nem sempre será assim. A maioria dos juízes cujo trabalho conheço atua na cidade e no Estado onde moro. Quase todos são rigorosos em relação a crimes graves — bem mais drásticos, com certeza, do que os ministros que atuam no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Eles continuarão decretando a prisão preventiva em casos de clamor popular e liberando autores de delito de menor importância, aposto. E nisso, nessa decisão de cada magistrado, o STF não interferiu.
Aliás, sempre tive a impressão de que a distância física em relação aos fatos amolece o coração da Justiça. Magistrados situados a centenas ou milhares de quilômetros do local onde aconteceu um crime tendem a não sentir o que a comunidade sentiu, a pressão por Justiça, o desespero de quem não sabe a quem apelar. Talvez por isso a maioria do Supremo tenha decidido rever o padrão rígido e flertar com a liberalidade, ao mandar para casa milhares que já foram condenados duas vezes.
Não vem ao caso aqui a política, se o beneficiado será Luiz Inácio Lula da Silva, do PT (e será), ou seu desafeto Eduardo Cunha, ex-líder do MDB (que não será libertado). No campo técnico, faço minha aposta: os juízes continuarão prendendo pessoas muito violentas, com decretação de prisão preventiva (e temporária, em alguns casos). Argumentarão que esses presos representam risco para a sociedade.
O problema na decisão tomada pelo STF é que os crimes que os magistrados considerarem não tão graves só serão punidos após quatro julgamentos, quando não houver mais recursos. Isso para quem pagar advogados que possam apelar das sentenças. Ora, quem serão os beneficiados? Os vigaristas que atuam em grandes golpes. Os estelionatários, criminosos do colarinho branco, empreiteiros que sonegam, construtores que não entregam imóveis e, claro, políticos corruptos, só para ficar em alguns exemplos. Aqueles que a Lava-Jato mirou e que transformaram essa operação num slogan bem-sucedido. Esses respiram aliviados hoje.