
Não foi por acaso que batata doce e grão de bico foram os itens escolhidos para ir ao espaço, na viagem de turismo que levou seis mulheres a bordo, incluindo a cantora Katy Perry. Os produtos combinam dois itens essenciais à alimentação: carboidrato e proteína. Agora, serão analisados no detalhe pelos pesquisadores da Space Farming Brazil. Coordenadora da rede, a pesquisadora da Embrapa Alessandra Favero falou à coluna sobre a iniciativa. Leia trechos da entrevista.
Como os produtos foram parar na viagem espacial?
Conseguimos colocar algumas sementes de grão-de-bico e plantas de batata-doce. As sementes são cultivares da Embrapa, e as plantas de batata-doce foram cedidas pelo USDA (Departamento de Agricultura dos EUA, na sigla, em inglês). Tudo isso voltará para o Brasil. Foi uma viagem suborbital e depois de 11 minutos de voo. Foi uma grande oportunidade para o grupo. A ideia é a gente estudar o que pode acontecer nesse tipo de ambiente em que existe microgravidade e diferença de radiação ionizante, comparar com outras plantas que estão na Terra.
Foi a primeira vez que a rede enviou material para pesquisa no espaço? Como surgiu a oportunidade?
Foi a primeira vez da nossa rede. Tivemos um convite do Rafael Loureiro, professor da Winston-Salem State University, nos Estados Unidos, que faz parte da rede. Ele conseguiu esse voo com a universidade, a astronauta que foi levar os experimentos, a Aisha Bowe, e a National Geographic.
E o que acontece agora?
Outras equipes já fizeram o envio de plantas da mesma forma e tinham identificado que, nessas situações, as plantas ativam genes de estresse. A ideia é a gente entender como é que esses genes, se são mesmo ativados no caso da batata doce e no caso das sementes de grão de bico, se existe alguma diferença genética nesses materiais em relação aos que não foram para o espaço. Sempre tem um estresse nessas situações de microgravidade, mas pode ser que uma planta seja mais tolerante à outra, aí podemos selecionar materiais que sejam mais tolerantes a esse tipo de estresse no espaço.
Esse material volta e vocês observarão os efeitos, tem algum período, qual o processo da pesquisa agora?
Vamos identificar, fazer estudos genéticos, de fisiologia, de cromossomos, a morfologia das plantas e seleção de materiais caso seja possível. É uma pesquisa de longo prazo, mas estamos começando, e esse é um primeiro passo para outras missões. A ideia é, além de tudo isso ser feito na Terra, também conseguir outras missões para a Estação Espacial Internacional. Observando e usando o espaço a favor das pesquisas na Terra, tentando encontrar novas cultivares no melhoramento genético. A China faz isso há muitas décadas. Os melhoristas podem selecionar plantas diferentes, mais tolerantes a pragas, a doenças, maior produtividade. Então, o espaço pode ser uma nova metodologia de lançamento de novas cultivares. Esse é o propósito do projeto: identificar novos materiais para os produtores brasileiros.
Há possibilidade então do desenvolvimento de variedades mais resistentes a ambientes em tempos de mudanças climáticas?
Sem dúvida, a ideia é essa também, identificarmos e selecionarmos plantas que sejam mais eficientes no uso de água e energia. Porque não existe ambiente mais hostil do que o espaço. Se conseguirmos plantas que sejam mais econômicas no uso de água, por exemplo, vai reverter para situações de mudanças climáticas e melhorar a parte de segurança alimentar. Inclusive, a ideia é trabalhar com cultivo indoor, hidroponia, várias várias tecnologias, para assegurar a produtividade, a produção em situações que podem acontecer de mudanças climáticas. Inclusive fazer melhoramento preventivo, em situações que plantamos em ambientes fechados, podemos aumentar a temperatura do ambiente e aí simular o que pode acontecer no futuro.
Por que se escolheu levar esses itens especififamente?
Primeiramente, porque uma é fonte de carboidratos e a outra, de proteína. É meio que aquela dobradinha do arroz com feijão, é base alimentar dos seres humanos. Além disso existem motivos técnicos, de nutrição. Por exemplo, a batata doce é rica em antioxidantes, o que é muito interessante em situações de radiação. O grão de bico é rico em fibras, proteínas e em triptofano, precursor da serotonina. Faz com que as pessoas, em situações de estresse, fiquem mais tranquilas... Tem muitos porquês, esses são alguns que podemos listar.
Qual o trabalho da rede, quando e por que foi criada?
A rede teve início em 2022, quando saíram os objetivos do Acordo Artemis, que tem esse objetivo de retorno dos seres humanos em espaço profundo, Lua, Marte, mas agora pensando em bases permanentes, em estar lá por mais tempo. por mais tempo, temos de pensar na alimentação dos seres humanos. Tem de ser autossustentável. Dado que o Brasil é reconhecido internacionalmente pela pesquisa agrícola, decidimos contribuir. Começamos a receber e convidar pesquisadores para a rede. Atualmente, temos 56, de 22 instituições diferentes. Dessas, além de Embrapa e Agência Espacial Brasileira, temos instituições no Exterior: em três universidades, nos EUA, na Austrália, e agora está entrando uma italiana. Do Rio Grande do Sul, temos a Universidade Federal de Pelotas, e a Embrapa Clima Temperado. É uma grande rede que tem desde especialistas em sementes, até em fazer o prato. Tem físicos, químicos, biólogos, engenheiros, enfim, cada um na sua expertise para fazer o sistema.