Passei o feriado da Páscoa no Uruguai, onde os cassinos são liberados. Por lá, conversava com um amigo refratário a jogos de azar que citou O Jogador, de Dostoiévski, aquele romance em que o russo mergulha fundo na alma de um homem devorado pelo vício em roleta. E foi impossível não pensar no Brasil.
Se fosse um personagem de Dostoiévski, o Brasil estaria ali, sentado à mesa do cassino, paletó amarrotado, olheiras profundas, bolso virado do avesso. Não por falta de aviso, mas por compulsão. Porque aqui, política não é mais um exercício de escolha racional. É um vício, uma aposta desesperada.
Veja o governo Lula. Pressionado por um Congresso que chantageia em tempo integral e sem pudor; o peso de promessas não cumpridas; obras atrasadas; e rachaduras internas no seu partido, o presidente aposta numa reforma ministerial. Mais cargos, mais espaço, mais gestos. Não por convicção, mas por necessidade. Só que até as pedras do caminho sabem que isso não fideliza base nenhuma, só adia a próxima ameaça.
É como o jogador de Dostoiévski, que depois de perder tudo, aposta o último relógio. Não por lógica, claro, mas por orgulho. A fé não está na política pública, está na sorte.
Enquanto isso, do outro lado da Praça dos Três Poderes, o presidente do Supremo responde a um artigo duríssimo da The Economist que criticava os exageros do Judiciário brasileiro com uma defesa apaixonada do indefensável. Como se fosse possível ganhar no grito o respeito que se perde na prática. Como se a credibilidade institucional se conquistasse com nota de repúdio.
Dostoiévski entendeu como poucos a lógica do vício: o jogador não joga pra ganhar, joga pra sentir, pra manter a ilusão de controle. Pra alimentar a fantasia de uma redenção imediata.
E é isso que se tornou a política brasileira: um cassino. Um lugar onde se aposta reputação por conveniência, dinheiro por apoio, princípios por governabilidade. Mas tem um detalhe: no nosso cassino, a plateia somos nós. Nós financiamos o vício, bancamos as fichas. E ainda torcemos por uma rodada de sorte.
Cada eleição vira promessa de virada: “agora vai”, “esse é diferente”, “dessa vez é pra valer”. E, como no romance, a esperança não morre, mas vai ficando cada vez mais patética. O Brasil, como Alexei Ivanovitch, está sempre à beira da ruína, mas convencido de que a próxima jogada vai resolver tudo.
No fim, talvez Dostoiévski quisesse dizer isso: o vício não é só uma falha pessoal. É um sistema. E se quisermos sair do cassino, vamos ter que reaprender a governar.