
Bolsonaro virou réu. De novo. Agora, junto com sete aliados no Supremo. O julgamento ganhou as manchetes, os trending topics e os grupos de WhatsApp, cada um lendo como quer: tem gente comemorando a queda do “capitão”, tem gente dizendo que é perseguição, golpe do Xandão, ditadura da toga. No Brasil, análise política virou torcida organizada. Se tem nuance, perde engajamento.
Num país onde o debate é uma mistura de Gre-Nal com novela ruim, é preciso esforço para fazer o óbvio: separar uma coisa da outra. Porque por aqui, ou você é 100% contra o golpe e, portanto, defensor incondicional de Alexandre de Moraes, ou você critica Moraes e automaticamente vira bolsonarista.
Eu me recuso a cair nessa esparrela. Não só é possível criticar tudo, como é necessário.
Vejamos o caso de Débora Rodrigues, a cabeleireira que virou símbolo da desproporção judicial depois que Moraes sugeriu ao STF uma pena de 14 anos. Quase um homicídio qualificado. Na prática, ela pichou com batom a estátua da Justiça. Um gesto burro, sim, mas não exatamente terrorismo. Foi condenada pelo entorno, não pelo que fez. E, desta vez, a repercussão do despautério foi tanta que, sexta-feira (28), o ministro liberou Débora para cumprir prisão domiciliar.
Moraes tem exagerado. Atua como juiz, vítima e promotor. Seu inquérito infinito das fake news já dura seis anos e virou um “vale tudo jurídico” onde cabe qualquer coisa que o ministro ache errada na República. A defesa da democracia virou um pretexto tão elástico que a Justiça vem se tornando uma faceta do autoritarismo que diz combater.
Mas nada disso elimina o elefante na sala. Bolsonaro e sua turma não são inocentes nessa história. O 8 de janeiro não foi um surto coletivo espontâneo de patriotas desavisados. Não foi ideia de uma manicure de Guarulhos ou de um aposentado de Anápolis. A cúpula do poder estava planejando virar a mesa. Está tudo nos autos, nas mensagens, na tal minuta. Eles só não conseguiram porque, felizmente, são ruins até nisso.
E é isso que incomoda: o desequilíbrio da balança. Enquanto os chefes da orquestra do caos seguem soltos, os figurantes mal treinados estão pegando pena de tráfico internacional. Quem tentou dar o golpe está livre. Quem acreditou no golpe está preso, abandonado à própria sorte.
Fica difícil defender a democracia quando quem deveria garanti-la estica tanto a corda a ponto de flertar com autoritarismo. Mas é impossível defender os que tentaram rasgar a Constituição com um plano tão amador quanto criminoso.
Você não precisa escolher entre fazer vista grossa para Moraes ou fingir que o Bolsonaro é injustiçado. Você pode — e deve — criticar os dois. Mas com base nos fatos. Sem roteiro alternativo, sem cosplay de resistência, sem romantismo de justiceiro.
Justiça firme, sim. Mas justa. Senão, vira só mais uma peça nesse grande teatro distorcido onde os vilões escrevem o roteiro e ainda ganham aplausos no final.