No livro Ainda Estou Aqui, Marcelo Rubens Paiva conta o flagelo de sua família e particularmente de sua mãe, Eunice, desde o dia em que agentes do regime militar foram à casa deles levar o pai, Rubens Paiva, para interrogatório, em 1971. Nunca mais o ex-deputado federal pelo PTB foi visto, vivo ou morto. O livro descreve a excruciante jornada de Eunice para ter o marido de volta, ou ao menos despedir-se dele. Nunca teve este consolo. Só mesmo um Alzheimer daria a ela alguma trégua no encontro diuturno com tão amargas lembranças. A demência foi ausentando-a do mundo e de si mesma, mas não por completo. Um dia, num lampejo de consciência, surpreendeu e emocionou o filho ao reunir forças para dizer “Ainda estou aqui”. Aquelas palavras, emolduradas por um “sorriso cansado”, como definiu Marcelo, ecoaram como um manifesto.
Ecoaram, e seguirão ecoando, pela voz de todos os perseguidos por regimes autoritários como o que ora se impõe, ao arrepio do Constituição e das leis, para silenciar, intimidar e aprisionar vozes que denunciem o espúrio consórcio de poder que se formou no Brasil a partir de 2019 e que, à diferença de 1964, opera sob o comando do Supremo Tribunal Federal. O STF, antes uma sigla de justiça, degenera-se em estandarte de política. Seus alvos são os dissidentes de um regime obscuro.
Hoje, 8 de janeiro, milhares de famílias brasileiras que tiveram membros arrancados de seu convívio por um tribunal de exceção remoem suas dores. Sofrem, impotentes, o vilipêndio oficial contra seus mais caros valores — o culto à liberdade, a repulsa à impunidade de criminosos e corruptos, a defesa da soberania do povo brasileiro.
Se os operadores deste monolítico bloco de poder se julgam inexpugnáveis porque têm o apoio de parte da imprensa, como aliás o regime de 1964 também teve, repensem. Dezenas de milhões de brasileiros que amam a liberdade não poderão ser mantidos sob o tacão de uma ditadura de toga. Passe o que passe, ainda estaremos aqui.