Quando saiu a notícia de que a CBF havia liberado os áudios do VAR, lembrei de Steve Jobs. Você já deve ter visto alguma daquelas entrevistas concedidas pelo fundador da Apple na década de 1980, ou até antes disso. Se não viu, procure no YouTube.
É impressionante porque, lá atrás, ele tinha a capacidade de antever não apenas a Revolução da Informação aberta com a invenção do computador, mas também seu vasto universo de possibilidades. Numa dessas entrevistas, lá pelas tantas, assim como quem enche o pneu da bicicleta, falou em fazer compras pelo telefone em vez de ir até as lojas. Ou compartilhar informações recolhidas em bibliotecas desde o sofá da sala, com qualquer lugar do mundo.
Nada disso era uma realidade à época, mas o gênio da lâmpada ia juntando os avanços da informática e imaginando cenários aparentemente complexos e lunáticos que hoje fazem parte da rotina do seu filho adolescente, ele com o celular numa mão e fazendo o lanche da tarde no quarto com a outra, vendo Netflix. Em fevereiro de 1985, a revista Playboy entrevistou Steve. Sim, as páginas amarelas. Se você é muito jovem e nunca ouviu falar das páginas amarelas, pergunte aos seus pais ou alguém nem tão mais velho assim, ora bolas.
Steve já era o jovem visionário que todos queriam ouvir sobre o mundo Jetsons que dava as caras. O Macintosh, computador cheio de novidades, capaz de desenhar e colorir, entre outras ferramentas, espantava o mundo. As pessoas ainda não entendiam uma certa novidade chamada mouse. Qual a razão de um badulaque parecido mesmo a um rato e seu rabinho frenético, se bastava digitar alguns códigos e tudo acontecia na tela? Firula de empresário querendo justificar o aumento do preço do seu próximo produto, é claro. Quando Steve sugeriu que o próximo e decisivo passo dessa revolução seria as pessoas terem um PC em casa, e não apenas no trabalho, o repórter quis saber o motivo.
- Sinceramente, não sei - ele respondeu.
O entrevistador fez o que tinha de fazer um bom repórter: cutucou com educação, para debater e gerar conteúdo.
- Quer dizer que você defende que as pessoas tenham um computador em casa, uma peça muito cara, abrindo um mercado inesgotável de vendas e lucros, do qual será beneficiário direto, sem saber quais são as vantagens?
- Pode-se dizer que sim - devolveu Steve.
Não lembro se a pergunta do repórter foi exatamente assim, mas o sentido era esse. Com aquela calma irritante de quem enxerga longe, ele explicou:
- Se, há cem anos, alguém tivesse perguntado a Alexander Graham Bell "O que você será capaz de fazer com um telefone?", ele não seria capaz de responder as maneiras pelas quais o telefone afetaria o mundo.
E olha que não se tinha ideia de como o celular mudaria o planeta, mas só pedir comida por telefone ou saber a programação dos cinemas sem sair de casa já era incrível e tornava certeira a resposta de Stevie nos anos 1980.
Foi assim com o VAR. Quando se falava no auxílio do vídeo para reduzir no que fosse possível os erros da arbitragem, como em outros esportes, a resistência era monumental. Quem defendia o VAR apanhava feio. Beirava o bullying. Nerd era o mínimo de xingamento. O tempo passou e hoje ninguém cogita o fim do VAR, e sim como melhorá-lo.
As possibilidades vão se abrindo. Há um ano, liberar o áudio do VAR era considerado heresia. Só traria mais confusão. As pessoas não entenderiam. Teses conspiratórias vicejariam de forma incontrolável. O caos, enfim.
Bobagem.
Tudo o que vier para dar mais transparência ao futebol, que ainda exibe contornos de caixa preta, sobretudo na compra e venda de jogadores, com comissões voando para cá e para lá nas contas de sabe-se lá quem, apesar da obrigatoriedade da publicação dos balancetes, tem de ser festejado. Que se abra tudo.
Por que o árbitro não fala? Todos no futebol falam. Técnicos, cartolas, executivos, jogadores, jornalistas, gandulas, empresários, médicos, preparadores físicos e de goleiros. Todos - menos o árbitro, por ordem da Fifa. Qual o problema de conceder entrevista? Reconheço que, no começo, causaria certo alvoroço ou até esvaziaria os papos pós-jogo dos treinadores. Mas, com o tempo, tudo entraria nos eixos.
Torcedores entenderiam que erros acontecem e aprenderiam a conviver com eles, a favor e contra. Veriam que, talvez, uma falha medonha fora do escopo do VAR nem é tão grave se a visão do campo estiver encoberta. O árbitro teria a chance de explicar. Você não vai acreditar, mas não faz muito o futebol tinha restrições em mulheres apitando. Imagine se tinha cabimento. Hoje nem é mais assunto. Página virada. Outro ponto é liberar o áudio não DEPOIS, mas DURANTE o jogo no estádio e na transmissão. O torcedor paga e tem o direito de saber o que está acontecendo online. Transparência total, eis o caminho.
Quais os passo seguintes, depois do VAR e dos áudios abertos? Não sei. Mas se Stevie Jobs não sabia, porque raios um pobre e limitado jornalista teria de saber?