Lembra da época em que a gente saia de casa para trabalhar todos os dias e era um pequeno evento estrear sapato novo? Eu brincava que, se saísse de sapato novo e sem sombrinha, com certeza, chovia. E, se saísse com sombrinha, certamente não choveria, e eu teria de carregar o guarda-chuva o dia inteiro, do laboratório para a sala de aula, e de volta.
Não sou a única a fazer piadas com os supostos poderes mágicos dos guarda-chuvas. Contudo, todos sabemos que o fato de sair de guarda-chuva não interfere na pressão atmosférica. Se isso funcionasse, quantos problemas estariam resolvidos! Mas – ufa! – a ciência por trás da previsão do tempo melhorou tanto que todos já temos quase certeza, se fôssemos sair, se daria ou não para usar sapato novo.
Na verdade, não foi só a meteorologia que avançou. Escrevo na semana do anúncio da primeira vacina para covid-19, a vacina de mRNA da Pfizer/BioNTech, que finalizou o estudo clínico, fase III, com mais de 90% de eficácia. Isso vai ser lembrado como um marco para a ciência, em várias frentes. A finalização mais rápida da história de um estudo em fase III de vacina; nível de eficácia; e a primeira vacina de material genético – absolutamente inovadora.
Essa é uma tecnologia que nunca chamou muito a atenção, por ser tão experimental, e se mostrou surpreendentemente eficaz em induzir proteção na população vacinada. Ela é praticamente sintética; brinco que essa vacina pode ser fabricada até no espaço. A conclusão do estudo da vacina da Moderna, também de mRNA, é esperada para breve, assim como a autorização de emergência. Para vacinar todo o mundo, foi calculado que precisaremos de 50 quilos de RNA e muitos freezers e geladeiras.
A mesma ciência que fez as vacinas que vão tirar o mundo de um impasse vem testando, há décadas, diversas medicações preventivas para infecções virais agudas. Hoje, não há droga que previna a covid-19, nem a gripe. Os vírus agudos usam uma estratégia especial de se replicar mais quando o hospedeiro não tem sintomas. A janela de tempo em que você poderia usar um antiviral é pequena. A maioria das pessoas que tem sintomas iniciais não evolui para um quadro grave. Só isso. Antivirais funcionam em vírus crônicos, como o HIV – eles ficam no seu corpo, dá para controlar com medicação.
O que surgiu de mais promissor na pandemia foram os anticorpos monoclonais, com bom resultado ANTES que os sintomas se agravem. São muito caros, mas é um começo. Se alguém te disser que tomou qualquer medicamento e, por causa disso, não teve covid, é como eu te dizer que não choveu porque levei meu guarda-chuva. Não teve sintomas porque não ia ter; não choveu porque não ia chover.
Por isso me chocou o post do Ministério da Saúde. Este que sempre fez coisas incríveis, como o SUS e o programa de vacinação. Que financia estudos lindos de pesquisadores brasileiros. Eu, que sempre usei o site do ministério como referência para os alunos, hoje preciso tomar cuidado. Tem gente lá levando sombrinhas mágicas a sério.