Muitos me perguntam sobre os cortes e congelamentos de Trump nos programas governamentais de ciência e saúde nos EUA, já na primeira semana. Não é ao acaso que os alvos estratégicos do revanchismo trumpista neste segundo mandato incluem a ciência. Enquanto que, no Brasil, a ciência nunca chegou a ser algo que permeasse o imaginário da maioria da população, nos EUA ela faz parte do dia a dia. Tecnologias e medicamentos de vanguarda consumidos no mundo inteiro sempre foram, via de regra, produtos americanos.
Já contei aqui em colunas anteriores de onde vem a tradição governamental de investir em ciência nos EUA. Franklin D. Roosevelt impressionou-se ao ver os avanços tecnológicos que o grupo de cientistas liderado por Oppenheimer obteve, garantindo a vitória aliada na Segunda Grande Guerra. E criou um programa do governo que sustentasse o desenvolvimento científico para o bem — para saúde, principalmente.
O sistema capitalista dos EUA garantiu que as tecnologias rapidamente virassem produtos comercializáveis, colocando o país como líder tecnológico mundial. Esse sistema foi o modelo para os demais programas do mundo, e cada país obteve retorno proporcional ao que investiu. Nada se compara ao volume de incentivo à ciência do governo americano — sempre foi objeto de desejo de qualquer cientista.
É difícil conceber que isso está em vias de acabar nas mãos do governo atual
Para quem, como eu, treinou nos EUA, é difícil conceber que isso está em vias de acabar nas mãos do governo atual. Quase impossível visualizar um futuro em que essa referência não exista mais. Ciência de ponta custa dinheiro. Essa relação é absolutamente direta. Na ausência de um sistema governamental transparente de incentivo ao progresso científico, voltaremos ao sistema medieval? Em que cientistas, como artistas, eram financiados por mecenas? A ciência volta a depender dos caprichos de cada bilionário?
Podemos estar testemunhando o início de um grande efeito dominó, que derrubará progressivamente os programas governamentais de incentivo à ciência. Que levaram meio século para se estabelecer, ainda que claudicantes, em diferentes países. O grupo que detém o governo americano atual tem uma agenda única, baseada em garantir vantagens aos super-ricos. Essa medida irá beneficiar financeiramente alguém, com certeza. Infelizmente, não será o povo dos EUA, e muito menos o dos países que decidirem adotar o mesmo modelo.