Tenho um velho amigo que me usava como dicionário. Quando ligava, eu já sabia: lá vinha pergunta. Pelo WhatsApp, criticávamos nosso Inter, combinávamos churrascos e falávamos da vida alheia; o telefone, porém, não sei por que razão, ele reservava para suas consultas, sempre perguntas que, em noventa e nove por cento dos casos, ele próprio poderia ter respondido. Usava, eu disse, pois agora não usa mais: há uns quatro anos, recebi como cortesia de uma editora um dicionário que eu já tinha na minha estante; como era Páscoa, aproveitei para embrulhar em papel prateado, com fita e tudo, e entreguei a ele com ar divertido, mas com uma promessa solene: "Toma. O coelho te mandou. É o mais completo que tem, e ainda por cima dou assistência técnica: o que não estiver aí, podes me perguntar". Rimos os dois, mas ele entendeu a mensagem. Ontem, finalmente, quase um ano depois, ele voltou a ligar. "Vim cobrar a garantia. Esta aqui o Houaiss ainda não tem". O seu alvo era o moderníssimo trisal; ele sabia muito bem o que era, mas estava cismado com a forma (ele usou "shape") desta palavra. "Tem alguma coisa esquisita aí, que eu não sei bem o que é".
O Prazer das Palavras
Opinião
Trisal
Esta invenção é uma dessas cruzas de jacaré com cobra-d'água, similar a várias que já apareceram por aqui