O episódio do adolescente torturado por dois justiceiros munidos de agulha e tinta, em São Bernardo do Campo, choca não apenas pela brutalidade do gesto ou pela originalidade do método de tortura, mas pelo amplo apoio que recebeu das redes sociais (e sorte sua se esse apoio não passou pela sua timeline.)
Não há Lava-Jato que dê jeito no país se continua prosperando a convicção de que todo cidadão assustado, frustrado ou enraivecido pode assumir, a qualquer momento, a identidade secreta de justiceiro acima da lei - recebendo apoio imediato de uma claque igualmente assustada, frustrada e raivosa. A Justiça não é perfeita, como o noticiário tem nos lembrado com frequência nos últimos dias, mas é tudo que nos separa do caos e da barbárie.
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Essa e outras reações populares que banalizam (e chancelam) o linchamento, a tortura e, em muitos, casos, a própria violência sistemática do Estado na periferia, pode estar ligada ao fato de que, no Brasil, a defesa de direitos humanos essenciais foi associada a uma causa da esquerda. Como se o respeito à lei fosse uma questão de opinião ou orientação política. Em recente entrevista ao jornal digital Nexo, o doutor em direito e em relações internacionais Renato Zerbini falou sobre as consequências desse tipo de distorção:
"Os direitos humanos são de todos e para todos. Nenhuma ideologia tem seu monopólio, apesar de os direitos humanos protegerem o direito de que cada pessoa tenha a sua ideologia. Finalmente o efeito negativo virá porque direitos conquistados poderão ser destruídos em nome de uma ideologia ou de um governo de turno."
O Brasil que quer se livrar da corrupção, uma das formas mais populares de desrespeito às instituições, precisa se livrar antes do pensamento mágico e da perigosa ideia de que os problemas se resolvem, se não pelas instâncias divinas superiores, pela lógica selvagem que descarta a mediação da lei para arbitrar conflitos.