
Seus passos são lentos, mas carregam o peso de uma história longa e cheia de fé. O sorriso chega antes mesmo de sua voz. Aos 93 anos, Cecília Rodrigues Modesto é a mãe de santo mais longeva de Caxias do Sul. A caminhada na religião da umbanda atravessa décadas, moldada pela sabedoria e pela compaixão. A vida, segundo ela, sempre foi dedicada à mediunidade.
Mãe Cecília, como é conhecida, carrega no rosto as marcas do tempo. Fundadora de um dos mais antigos terreiros da cidade, a Tenda Xangô das 7 Pedreiras, no bairro Cruzeiro, lembra que, desde jovem, quando atendeu ao chamado espiritual, compreendeu que sua missão era ajudar e estender a mão aos que mais precisavam.
— Eu me sinto muito feliz nesta caminhada e orgulhosa dos meus filhos que estão seguindo a religião sem fazer mal a ninguém, pois a nossa missão é ajudar. Nós temos que ter fé e fazer só o bem, nem que seja para o nosso pior inimigo. Se alguém bate à nossa porta pedindo ajuda, temos que estender a mão, pois Deus sempre nos estende a dele — aconselha.
Cecília nasceu em Caxias do Sul no dia 17 de agosto de 1931. Filha de Antônio Rodrigues e Albertina Rodrigues, cresceu em uma família numerosa, ao lado de quatro irmãos. Teve uma infância difícil, sem ter tido a oportunidade de estudar. Mesmo assim, aprendeu desde jovem o valor da união e do amor familiar.
Cecília lembra que, por volta dos sete anos de idade, teve as primeiras manifestações espirituais, que começaram como forma de vultos.
— Parecia uma tontura, eu via coisas. Buscamos até auxílio de médicos em Porto Alegre, fiz exames e nada constava. Enxergava coisas que eu não sabia explicar para ninguém — recorda.
Encaminhada pelo pai a um centro espírita, Cecília foi orientada que ali não seria o espaço onde ela deveria buscar auxílio. Sabia-se naquele momento que era a sua mediunidade que estava aflorada. Passados alguns anos, apesar das manifestações espirituais continuarem, Cecília seguiu sua a vida. Casou-se com João da Silva Modesto (em memória), e construiu a família dedicando a vida a cuidar dos seus sete filhos.
Em um determinado dia, um vizinho incentivou Cecília a buscar ajuda em um terreiro. Foi lá onde teve o seu primeiro contato com a umbanda e quando percebeu a força da mediunidade. Anos mais tarde, começou a desenvolver a espiritualidade e assumir a religião umbandista.
Terreiro com uma história de mais de 50 anos

Muitas pessoas começaram a procurar a mãe Cecília diretamente na sua casa, seja para benzer ou em procura de uma ajuda espiritual. Ela então construiu uma sala embaixo de casa para atender a comunidade. Com resistência e enfrentamento ao preconceito e à intolerância, dava-se o início à Tenda Xangô das 7 Pedreiras, em 1973.
— E ali foi evoluindo e crescendo o terreiro. Quase não tinha mais lugar para tanta gente que procurava — lembra.
Com o passar dos anos, Cecília se tornou uma importante figura religiosa na comunidade. Há mais de 60 anos, dedica a vida à umbanda, como sacerdotisa. Diz que o terreiro é um lugar de acolhimento e espiritualidade para todos que o visitam. Hoje, o legado da mãe Cecília é seguido por filhos, netos e bisnetos.
Cidadã Emérita: reconhecimento pela trajetória
Em setembro de 2024, a mãe Cecília recebeu uma distinção de destaque da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul: o título de Cidadã Emérita. Essa honraria é destinada a pessoas que nascem em Caxias e se dedicam à comunidade, a partir, por exemplo, de seu ofício ou voluntariado.
O título foi proposto pelo vereador Lucas Caregnato (PT) e contou com aprovação unânime dos vereadores, sendo entregue numa sessão solene que contou com diversas homenagens intercaladas com canções ligadas às religiões de matriz africana.
Naquela ocasião, envolta de muita emoção, Cecília agradeceu o reconhecimento com oração, e, claro, com os seus conselhos:
— A nossa caminhada é longa, pedregosa, mas nós chegaremos lá — disse.
