
Não é que nossas leis são brandas demais, mas não são executadas com rigor. E uma das desculpas mais frequentes é a superlotação dos presídios.
A sociedade civil está cada vez mais indignada com latrocínios e estupros cometidos por reincidentes que contaram com a progressão da pena por bom comportamento. Quantas saidinhas temporárias já liquidaram definitivamente vidas inocentes?
Porém, não há nenhuma promessa de reforma no nosso sistema carcerário.
Nenhuma cidade quer receber a fama de um presídio. Não há intenção de construir novos ou reformar os já existentes: então, como solucionamos esse impasse?
Não protegemos a sociedade nem reabilitamos os apenados, que são recrutados para outras tarefas ilícitas enquanto cumprem a pena. A tendência é que as pessoas saiam muito piores das suas condenações, convencidas de que o crime compensa.
Somos alienados, somos omissos, considerando que possuímos o título de campeão mundial no número absoluto de homicídios, com quase 30 homicídios por 100 mil habitantes.
Tampouco disponibilizamos recursos humanos para o enfrentamento da realidade. O país tem um agente penitenciário para cada sete presos. A recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária é um para cinco. Pra atingir a meta, teríamos que incrementar o efetivo em 38 mil agentes.
Deveria haver um combate contundente das autoridades para frear as estatísticas, mas seguimos na contramão do óbvio, com a mentalidade frouxa e ilusoriamente samaritana do desencarceramento em massa (recomendo a leitura do livro O mito do encarceramento em massa, do promotor gaúcho Bruno Amorim Carpes).
Quatorze presídios estaduais foram criados nos últimos cinco anos (6.823 vagas). Ainda nos faltam 360 mil vagas para atender ao contingente prisional.
Nesse ritmo retardatário, demoraríamos 125 anos para suprir as lacunas do regime fechado.
Evitamos erguer presídios, e soltamos muito. Parece que tudo é pretexto para o relaxamento da sentença. Tanto que, dos 849 mil presos, 201 mil se encontram em liberdade. Somente 359 mil estão em regime fechado, e os demais estão em regime semiaberto (112 mil), aberto (4 mil) ou são provisórios — dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais.
A tornozeleira eletrônica é uma ficção. Nosso sistema judicial foi criado para propor a liberdade em etapas, entretanto não oferecemos etapas, unicamente disponibilizamos os regimes aberto e semiaberto. Apesar de perigosos antecedentes, o criminoso migra para o aberto com uma tornozeleira eletrônica, põe a tornozeleira numa galinha e ganha as ruas.
A verdade e a prática são separadas por um fosso do tamanho do Brasil.
Por mais que os policiais e promotores realizem os seus trabalhos, haverá sempre o retrabalho eterno de Sísifo. A pedra levantada voltará a rolar, esmagando nossas famílias.
A tradição é o cumprimento de apenas 1/6 da pena. Depois, imperam o controvertido semiaberto e a simbólica tornozeleira. Ninguém melhora após tão pouco tempo pagando os seus pecados.
Talvez o Governo Federal possa ajudar na ampliação de colônias penais, mesmo sabendo que a sua responsabilidade é restrita às prisões de segurança máxima. Não deixa de ser sintomático que, nos últimos sete anos e dois presidentes, não houve nenhuma obra.
Carecemos de presídios, de espaços físicos que nos permitam ser duros com quem não quer mudar e ser justos com quem se arrepende.
Desse jeito, abriremos brecha para o aumento de linchamentos e da justiça pelas próprias mãos. Não será o caos — já vivemos o caos —, será o apocalipse civil, numa repugnância extremada e passional da população à corrupção, à impunidade e à leniência do poder regulador do Estado e do Judiciário.