
Jamais descíamos na boquinha da garrafa.
No litoral gaúcho, esperávamos para pular na alegria bucólica dos carnavais das associações.
Havia os bailes tradicionais da Sociedade dos Amigos do Balneário de Atlântida (SABA), da Sociedade dos Amigos de Capão da Canoa (SACC), da Sociedade dos Amigos de Tramandaí (SAT), da Sociedade dos Amigos da Praia de Torres (SAPT) e da Sociedade Amigos do Cassino (SAC). A recreação envolvia expectativas de crianças e marmanjos. Contávamos com a opção do baile infantil de tarde e a do baile adulto de noite.
Quem conseguia um ingresso para entrar nos clubes estava com o passaporte carimbado para alcançar seu amor de verão.
Não existia nenhuma baixaria. Nenhuma apelação.
Desfilávamos com fantasias inofensivas de marinheiros e odaliscas.
Predominava a singeleza das marchinhas. Você cantava Bandeira Branca. Você cantava Turma do Funil. Você cantava Ô, abre alas. Você cantava Me dá um dinheiro aí. Você cantava Chiquita Bacana. Você cantava Allah-La Ô.
As músicas se repetiam ano a ano, num repertório eterno daqueles momentos de folia. Na minha adolescência, as canções já eram velhas. Assim repetíamos os pais, que tinham repetido os avós, que tinham repetido os bisavós nas mesmas margens da memória.
Nem dependíamos de DJ. Não se pretendia mudar a playlist, ou acrescentar um hit recente. Pertencíamos a uma geração de indicação livre, em que imperava uma ideia de confraternização para todos.
Você aguardava os refrões. Fazia uma homenagem ao nosso panteão de compositores: João de Barro, Alberto Ribeiro, Noel Rosa, Ary Barroso e Lamartine Babo.
Foi ali que aprendi a decorar os nossos sambas básicos e ancestrais. A SABA, a SACC, a SAT, a SAPT e a SAC me serviram de escola das raízes populares.
Não ultrapassávamos os limites do respeito, não caíamos na vulgaridade.
Dançava-se com os ombros, com o trote da galhofa, abrindo passagem com os braços em ioiô para cima.
As letras possuíam uma inocência arrebatadora, uma ingenuidade cativante.
“Sou o pirata da perna de pau
Do olho de vidro, da cara de mau.”
Ainda que algumas melodias apresentassem duplo sentido, não se podia condená-las. Afinal, elas traziam trivialidades — para pensar o contrário, a sua mente é que se encontrava suja. A criatividade transcendia a censura.
“Mamãe eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar
Dá a chupeta, dá a chupeta
Dá a chupeta para o bebê não chorar.”
Nada de sentar no colo do papai. Ou de se esfregar. Ou de pegar de jeito.
Você estava entre conhecidos e vizinhos. Precisava namorar alguém sob a vigilância da família, com a arte da sedução indireta, feita por mímica.
Às vezes, usava um amigo mensageiro. Só que corria o risco de ser traído por ele no caminho (não entregava o recado no guardanapo e roubava para si a sua idealizada conquista).
O recurso mais comum e seguro era se engatar no trenzinho para buscar quem você gostou no lado oposto da pista.
O baile terminava cedo, mas durava por um longo tempo na posteridade da praia. No dia seguinte, com as ondas e os olhos de ressaca, ninguém falava de outra coisa.