Brasil vencerá seu primeiro Oscar na mais badalada festa do cinema mundial.
Demoramos quase um século para trazer a estatueta dourada para casa.
Ocorrerá na 97ª cerimônia de entrega dos Academy Awards, no dia 2 de março, num domingo, a partir das 21h.
O prêmio será dado para Fernanda Torres, que já recebeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz e carrega no currículo a Palma de Ouro em Cannes.
Por que eu afirmo isso? Não é profecia. Nem sou íntimo de nenhum jurado da Academia.
É que a indicação de Ainda Estou Aqui para Melhor Filme e Melhor Filme Internacional tornou-se seu maior avalista.
O empurrão que lhe faltava era a nominação do filme em que ela atua para a principal categoria, a primeira vez que acontece a uma obra brasileira na história.
Fernanda Torres disputa a façanha com Cynthia Erivo por Wicked, Karla Sofía Gascón por Emilia Pérez, Mikey Madison por Anora, e Demi Moore por A Substância.
Não ganharia de Demi sem a categoria de Melhor Filme.
Do mesmo modo, é improvável Ainda Estou Aqui conquistar a categoria de Melhor Filme Internacional, já que seu oponente, o francês Emilia Pérez, drama musical, desponta como campeão de indicações deste ano com 13.
Fernanda Torres deve justiçar a sua mãe, Fernanda Montenegro, que também concorreu ao Oscar há 26 anos por Central do Brasil.
Seu desempenho beira a perfeição, numa serenidade límpida, na contracorrente das lágrimas, no luto por um marido desaparecido. Seu olhar parado no tempo faz com que todo espectador entenda a sua dor atemporal. Ela não precisa chorar. Demonstra que sorrir é também um veemente protesto, uma maneira de mostrar o quanto sua alegria havia sido roubada.
Em Ainda Estou Aqui, baseado no emocionante livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, publicado em 2015, Torres interpreta Eunice Paiva, mãe do escritor, a qual enfrenta a violência do regime militar depois da prisão do deputado cassado Rubens Paiva (Selton Mello), em 20 de janeiro de 1971.
Eunice se forma em Direito, sustenta cinco filhos sozinha, e não desiste até provar que os militares capturaram o seu marido e se desfizeram do seu corpo.
Curiosamente, o documento que atestou a entrada de Rubens Paiva na prisão foi localizado em Porto Alegre, durante a investigação do assassinato do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molina Dias, 78, morto com 15 tiros em 1º de novembro de 2012, quando chegava em casa.
Ele trabalhou como chefe do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio de Janeiro.
No registro encontrado, há indicação do ingresso de Rubens Paiva no QG-3, no Rio de Janeiro, e dos documentos e pertences pessoais que ele portava no momento da prisão. Na margem dele, consta a assinatura de Rubens Paiva.
DOCUMENTOS PESSOAIS:
- Um cartão de Identificação do Contribuinte.
- Dois cartões de Piloto Privado.
- Um cartão do DINERS CLUB.
- Uma carteira nacional de habilitação.
- Uma carteira profissional do conselho regional de Engenharia e Arquitetura.
PERTENCES PESSOAIS:
- Um porta notas de couro preto.
- Quatro cadernos de anotações.
- Um chaveiro com 5 chaves.
- Uma fita de gravador.
- Um lenço branco.
- Uma gravata.
- Um cinto de couro preto.
- Um paletó.
- 14 livros diversos Autores.
O que mais impacta é o engenheiro paulista ter levado 14 livros para ler na prisão. Ninguém que acreditasse que iria morrer levaria essa biblioteca. Ele se despediu da família com a esperança de sobreviver.
O Rio Grande do Sul acabou sendo o último capítulo de tortuosa e agônica expedição de uma incansável mulher pela verdade.
Jamais imaginaríamos que uma tragédia tão brasileira, tão latino-americana, fosse invadir Hollywood. Invadir não, entrar pela porta da frente, devidamente convidada.