Existe uma expressão urbanista para caracterizar aquela trilha aberta pela população nos parques e praças: caminhos do desejo.
São atalhos feitos por dentro do gramado, contrariando o desenho do passeio público. Costumam servir para ganhar tempo e encurtar os passos.
Por mais que tenha a orientação clara das calçadas, o fluxo transgride e inventa um novo roteiro.
De tanto ser percorrido, abre-se uma senda de terra batida. É possível visualizá-la de longe.
Caminhos do desejo representam o que todos vivemos nas amizades.
Ainda que você dê um sábio conselho, alerte sobre os perigos, pese os prós e contras do dilema, certamente o amigo não seguirá suas palavras.
Nada o fará desviar da determinação dele em direção ao precipício.
Qualquer argumentação racional e serena não substitui o impacto da experiência pessoal. O sujeito precisa mesmo quebrar a cara e juntar os seus cacos em vitral para aprender a lição.
Só a experiência ilumina a verdade. Só a experiência apura os ouvidos. Só a experiência catequiza.
Sua retórica bonita não convencerá ninguém, seus pareceres fundamentados encontrarão as paredes da obsessão.
É uma falácia supor que os amigos pensam igual, sentem igual.
Você pode ter passado por uma situação semelhante, um sofrimento parecido, estar falando do lugar da ferida, e o amigo não acatará a sua versão dos fatos.
Acreditará que com ele será diferente, que contará com mais sorte do que você, desprezando estatísticas e evidências.
É o que mais acontece nos nossos afetos: ser refutado, e continuar junto.
É uma falácia supor que os amigos pensam igual, sentem igual. O que mantém os laços é que eles nunca se separam, apesar das divergências latentes, apesar de quem se confidenciou nunca adotar a orientação confiável da parceria.
Irei ilustrar a provação com um exemplo comum.
O amigo amarga um relacionamento tóxico, um cativeiro emocional, é humilhado com frequência pelo seu par, constrangido a pedir licença para poder se manifestar, recebe gritos e depreciações em troca de uma atenção apaixonada e incondicional.
No primeiro término, ele solicita a sua opinião. Você diz para aproveitar a oportunidade de livramento, explica que a pessoa não o merece, que ele mudou para pior com a família e com o seu círculo de contatos mais próximo. Só falta soletrar: não volte!
Na semana seguinte, o amigo some porque realizou exatamente o oposto — estabeleceu a reconciliação.
Resta conviver com o casal e permanecer disponível na retaguarda.
Não tem como ficar ofendido, não tem como se afastar, não tem como se ver desvalorizado e ludibriado.
Os enganos do romance são maiores do que os acertos das amizades.
Lealdade é aguentar o erro de quem você ama, suportar a mancada, penar lado a lado, e depois confortar como se fosse uma novidade, como se nada tivesse sido dito antes.
Jamais cutucar o orgulho com “eu avisei!”.