Não deixa de ser uma experiência transcendental para o gaúcho veranear em Miami Beach.
Eu me aventurei na orla da Flórida, numa estada de 10 dias. Foi um choque antropológico.
Estou acostumado à algazarra de Capão da Canoa, à roda de cadeiras, às implicâncias, à caipirinha, à música alta das caixinhas JBL tocando nos vizinhos, ao mar imprevisível de suas cores — às vezes chocolatão, outras vezes Parmalat —, à gritaria das crianças em torno do castelo de areia sendo invadido pelas águas, ao tumulto do futebol, futevôlei, beach tênis e frescobol perto das dunas, aos guarda-sóis coloridos e tendas reunindo famílias inteiras.
De repente, visito Miami Beach e parece que estou num asilo, num silêncio pétreo. Tudo é simétrico, organizado, encaixado.
A areia é branca, mais limpa do que a minha sala. Se eu vejo algo no chão, é certamente concha. Nem me preocupo com o lixo.
Os banhistas mal conversam. Eles vêm para ler ou dormir. Ao meu redor, todos estão lendo. A sensação é que me encontro numa biblioteca marinha. Ou dentro de um cinema aquático. Não duvido que alguém vá me pedir para calar a boca: “shiiiii!”.
A paz é tão grande que escuto as gaivotas ao longe.
O mar é tão frio que dói nos ossos. Eu entro nas ondas gemendo. Minha esposa já falou para eu parar com isso, porque pode soar estranho.
Sem querer, curei lesões e inflamações antigas com a crioterapia.
Quase ninguém mergulha. Não serei atropelado por um tiozão pegando jacaré. O mar traz algo misterioso de vitrine, de espelho, de impenetrável. Os surfistas estão distantes daqui.
Não tem crianças com baldes. Não tem piscina de plástico. Não tem gente amontoada. Não tem cancha de bocha.
Você não precisa chegar cedo para conseguir um lugarzinho para ficar. Tampouco se perde voltando do banho.
As casinhas de salva-vidas lilases, azuis e rosa, com detalhes alaranjados nas cercas, possuem escadaria e varanda, exibindo o dobro do tamanho das nossas — para os adolescentes sem dinheiro para namorar, são tentadoras mansões para as madrugadas.
As bancas são dos resorts. Não vendem coisa alguma. Oferecem toalhas e umbrelas.
O milho verde lambuzado de manteiga é substituído por tacos e guacamole.
Os drinques partem do serviço da hotelaria. Um coco gelado custa 14 dólares, ou seja, 84 reais.
Fumar é proibido, sujeito à multa de 100 dólares e 2 meses de cana. Água é dada de graça. Os trabalhadores vestem bermuda, camisa polo e tênis.
As pessoas de biquíni retrô de poá e bermudões coloridos estão paramentadas de bonés e de filtro solar. Resguardam-se nas sombras. Não há cangas com dorsos fritando ao meio-dia.
Não vejo aquelas migrações de banhistas caminhando à beira-mar, carregando o par de chinelos nas mãos. O povo não anda para os lados. Só para frente ou para trás.
Assisto a tudo de sunga amazônica, sorvendo o meu mate amargo. Ninguém entende de onde vim.
Eu vim da bagunça. Bagunça é vida.