A Câmara de Porto Alegre transformou o infame 8 de janeiro, data conhecida pela invasão e depredação dos três Poderes de Brasília, em Dia Municipal do Patriota, conforme o calendário de datas comemorativas do município.
O ato criminoso de desrespeito ao patrimônio vai muito além das crenças da direita e da esquerda: é um fato absoluto. Tanto que 2.182 pessoas foram detidas por participação ou envolvimento na operação golpista, sendo que 128 delas continuam presas e estão sendo investigadas por autoria, execução e financiamento.
Pelos danos causados no célebre ataque ao Estado de Direito e às sedes do nosso Executivo, Legislativo e Judiciário, houve um prejuízo para os cofres públicos na ordem de R$ 4,3 milhões.
Diante de tal excrescência política que virou piada nacional, eu cheguei a questionar: para que servem as comissões da nossa Câmara Municipal?
Estava realmente indeciso se eram omissas ou decorativas, mas percebi que existiu intencionalidade na decisão, com pareceres favoráveis e votações dentro de cada comissão.
Como proposta de efeméride, não vai para plenário e fica restrita à análise das comissões dos vereadores. Para ser admitida, recebeu o triplo aval da Comissão de Constituição e Justiça, da Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude e da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança.
Ela não foi obra estapafúrdia de um único vereador sem noção, como está sendo dito.
Teve, sim, apoio tácito da Câmara Municipal de Vereadores como um todo, em suas instâncias de crivo.
A conversão do 8 de janeiro em dia oficial em Porto Alegre é, portanto, uma obra coletiva da Câmara Municipal, pois transitou por suas três comissões.
Não pode ser creditada apenas às extravagâncias ideológicas do autor da iniciativa, o ex-vereador Alexandre Bobadra (PL).
Ele nem mais se encontra exercendo seu mandato para interferir no resultado e realizar lobby nos gabinetes. Não restam sequer motivos para que seus colegas queiram lhe agradar.
Bobadra foi cassado neste mês por acusações de abuso de poder econômico. Empregou sozinho 43% dos recursos do fundo eleitoral do então PSL, partido que o elegeu em 2020.
A data comemorativa não resultou de um mero descuido, não passou despercebida pelos seus avalistas no meio de uma avalanche de requerimentos parlamentares. É conversa fiada, jamais seria formalizado um “Dia do Fascismo” ou um “Dia do Nazismo”, por exemplo. Encontrariam automáticos e naturais bloqueios nos trâmites das comissões.
Poderia ter sido apenas mais um protocolo inofensivo de Alexandre Bobadra, que já propôs abstrações legislativas como “Dia municipal de viver juntos na paz” e “Dia municipal do milk shake”, porém só virou realidade devido à clara anuência de nossos representantes.
Do mesmo modo, o prefeito Sebastião Melo, que tinha o poder do veto e não o fez, é parte decisiva da promulgação da lei. Quem cala consente. Ele concordou silenciando, já que não discordou vetando. Não emitir uma opinião contrária é adesão consciente.
Agora é esperar que se instaure, também por um novo “acidente”, o Passe Livre para o Dia do Patriota. Consistiria num último degrau da demência, servindo de abominável incentivo para o cidadão quebrar e queimar nossa frota de ônibus.