Em 2000, eu engatinhava como autor publicado. Tinha dois livros e uma imensa timidez. Preferia falar por escrito. Jamais cogitaria que um dia estaria atuando na rádio ou na televisão.
Na época, morava em São Leopoldo e fui convidado para dar uma palestra no Círculo Operário Leopoldense (COL). Tremi na base, mas aceitei. Não poderia permanecer trancado no meu casco.
O organizador do evento disponibilizou um motorista para me buscar. Eu disse que não precisava, residia a três quadras do local.
— Se é no COL, conheço o endereço, tudo tranquilo.
Ele me forneceu o horário da palestra e eu apareci lá de terno e gravata. Julgava ser a indumentária apropriada à oratória.
Logo que entrei no auditório, todo mundo já estava acomodado, na tensão pré-palestrante. Eu estranhei a plateia inteiramente de branco.
Recebi de briefing que eu conversaria com professores. Não pareciam professores, mas vá lá, não quis mudar meu roteiro.
Como estava nervoso, não me apresentei. Peguei o microfone no pedestal e saí discursando de um jeito gritado para espantar o medo.
Gastei a lábia por uma hora, sem pausa para um copo d’água. Sofri muito mais do que imaginava, pois não existiu receptividade às minhas piadas. Até notava um certo constrangimento no ar, uma resistência contra as minhas metáforas e histórias sobre leitura.
Não conquistava o público de jeito nenhum. Tentei emocionar contando como superei o bullying da infância, e tampouco obtive adesão.
No final, foi mais suor do que lágrimas. Acabei aplaudido por compaixão. Ouvi alguns muxoxos e palmas frouxas.
Cometi o erro de abrir o espaço para as perguntas. Ninguém levantou a mão. Era um silêncio de sepulcro desprovido de esperança.
Cometi o erro de abrir o espaço para as perguntas. Ninguém levantou a mão. Era um silêncio de sepulcro desprovido de esperança.
Parti, desanimado, de volta ao lar. Consolei-me durante o trajeto: “nem sempre a gente brilha, nem sempre a gente pode ter uma noite inspirada, eu me encontro em início de carreira, vai ser com altos e baixos”.
Na manhã seguinte, entrei em contato por e-mail com o coordenador do seminário.
— Como vai? Gostaria de saber quando será feito o pagamento.
Ele me respondeu com farpas:
— Pagamento? Que cara de pau: você não vai à palestra e ainda cobra?
— Deve estar me confundindo com alguém. Realizei a palestra no Círculo Operário Leopoldense, como pediu, para cerca de 200 pessoas.
Já elucubrava que ele fosse caloteiro. Tomado de mal-estar com a discussão, arrisquei uma última cartada com um tom de autocrítica:
— Pô, cumpri o prometido. Tudo bem que não foi uma maravilha, mas aconteceu, não é? Se você não quer me pagar, é problema da sua consciência. Mas também não me convide para mais nada.
Ele concluiu:
— Eu não vou convidar mesmo!
Bloqueei o número telefônico do sujeito ordinário. Nunca mais tive notícias dele.
Dois anos depois, embarcava para São Paulo, e veio uma senhora na minha direção para me cumprimentar:
— Eu o conheci no Círculo Operário Leopoldense, só que eu não entendi a sua presença ali. Você substituiu o urologista Plínio e fugiu do tema da conferência.
Questionei:
— Qual era o tema?
Ela esclareceu:
— Vasectomia, ora bolas!
Não consegui rir da junção de “vasectomia” com “bolas”. A culpa paralisou o meu pensamento. Corri atrás dos fatos e descobri que eu compareci realmente ao auditório errado. Havia dois no prédio.
Ou seja, a minha palestra não aconteceu porque eu não fui. Acabei ocupando o lugar de um outro conferencista. Não sei como me aceitaram, como não conferiram as minhas credenciais. Talvez porque eu tenha aparecido tão decidido.
Fiquei imaginando a aflição dos profissionais de saúde que me ouviram:
— Quem é esse louco? Quando ele vai começar a falar do assunto?
Eu não comentei nada de vasectomia, óbvio. Nem fiz vasectomia. Não poderia sequer oferecer um testemunho de paciente.