Tenho um sonho no trânsito de Porto Alegre: pegar um dia de onda verde.
Surfar uma onda verde ao volante.
Passar por todas as sinaleiras abertas.
Eu entenderia a situação como uma anunciação divina, um bônus do destino, um pressentimento de que viveria um dia de sorte, de que tudo estaria conspirando para as minhas realizações pessoais e profissionais.
Qualquer um que atravessa uma onda verde fica otimista, esperançoso, senhor e senhora de si. É uma loteria do cotidiano, um horóscopo feliz, uma mensagem de autoajuda.
Desfrutaria de um privilégio infantil que senti algumas vezes no litoral gaúcho, ao ver na casinha do salva-vidas a bandeira verde hasteada avisando do mar tranquilo, do mar-lagoa, do mar sem repuxo, sem ressaca, sem violência nenhuma.
Eu queria tanto experimentar o oceano urbano de automóveis se abrindo para mim, chegar em casa mais cedo do trabalho, contar aos filhos e à esposa que peguei 10 sinais abertos consecutivos, testemunhar a cara de espanto e o questionamento surpreso da família:
— Em Porto Alegre?
— Em Porto Alegre!
Mas nunca acontece. Somos vítimas da onda vermelha na Capital, das sucessivas freadas antes da faixa de segurança.
Por que será? Arrisco um palpite. Já aviso que é um achômetro pela minha experiência de motorista.
Existe um desacordo entre o tempo da sinaleira e o limite de velocidade da via.
Na maioria das cidades, você anda a 60km/h ou 50km/h, e o trânsito flui naturalmente. O engarrafamento pode ser visual para quem está no contrafluxo, mas todos andam com regularidade e constância. É uma caravana de formigas aceleradas. O motorista é capaz de atravessar uma sequência de semáforos livres. Desloca-se na velocidade permitida e não sofre com as inúmeras paradas.
Desconfio que as principais avenidas de Porto Alegre, por sua vez, estão sincronizadas a 80km/h.
Na Avenida Ipiranga, apenas trafegando exatamente nesse ritmo, encontraremos a bendita onda verde. O mesmo acontece na Avenida Praia de Belas.
Óbvio que você terá bom senso e não vai correr para ser multado.
O sincronismo das nossas sinaleiras requer uma velocidade muito acima do permitido nas avenidas.
Não que eu queira interferir no bem-estar dos pedestres — seguem com a indiscutível preferência —, mas os dois mundos, o dos pés e o das rodas, podem coexistir em harmonia.
Gostaria que a sinaleira da Capital fosse menos percebida e falada. Mas parece que ela é um totem de nossos governantes. Não conseguem se desfazer delas. Quando levantam um viaduto, ou uma passarela, ou realizam uma rótula, o semáforo misteriosamente permanece. Isso quando não se duplica.