Quando fiz a prova prática da autoescola para conseguir a carteira de habilitação, acumulei três pontos negativos no meio dela por ligar tardiamente o pisca ao converter para a esquerda. Qualquer nova falha me obrigaria a repetir o exame.
Na hora de estacionar entre as balizas, no último ato dentro do carro, já pronto para desligar o veículo e considerar o meu trabalho concluído, eu olhei para o instrutor, que apenas me perguntou: “tem certeza disso?”.
Aquela interrogação gerou dúvida em mim e despertou uma vontade de me aproximar um pouco mais do meio-fio. Foi o que me salvou. Eu seria reprovado por estacionar muito distante da calçada.
Lembro-me disso porque meus pais não gritavam comigo quando eu me descomportava. Não precisavam.
Eles apenas me lançavam um olhar sério e fundo, e já me borrava de medo das consequências.
O olhar sempre me serviu de moldura das decisões.
A mirada é a porta da alma, é mais do que uma janela.
Sabia o que os pais pensavam pelo olhar. O silêncio das pupilas vinha, e eu já pedia desculpa e prometia não errar mais. Nem esperava o discurso. Evitava a explosão da raiva, a erupção do vulcão adormecido.
O olhar paterno ou materno entregava o aborrecimento e a possibilidade de castigo. Tinha a chance de me arrepender espontaneamente pelo espelho da censura. Ganhava alguns pontos de atenuante por decifrar a minha molecagem antes da formalização da voz.
O ponto principal de nosso relacionamento é que os meus pais não gastavam as palavras. Havia uma economia de energia e de fôlego. Até porque éramos quatro filhos e eles não tinham tempo, entre os afazeres domésticos, entre os ranchos e almoços, de dar sermão.
Errávamos, mas nos preveníamos dos dissabores assumindo precocemente as falhas. Às vezes, pelo bom comportamento demonstrado na remissão rápida dos pecados, escapávamos do isolamento do quarto.
Repare como hoje os pais falam muito mais e têm menos resultados. Chamam atenção a todo instante. Cansam de repetir as mesmas reprimendas e o que não pode ser feito. Cansam de alertar sobre possíveis tombos ou situações de perigo. Enrouquecem a voz como torcida na arquibancada com a derrota do time.
Falar demais é perder a autoridade.
Por mais que os pais falem sem parar, os filhos não escutam. Não vão escutar. Porque escutar é olhar. Os filhos não olham mais para a cara dos pais. Respondem olhando para a tela do celular. O aparelho telefônico rouba aqueles instantes preciosos de atenção da linguagem corporal.
A educação só será salva se voltarmos a conversar olhando nos olhos. Tudo depende de levantar o queixo e não realizar duas tarefas simultaneamente.
Ou os filhos acabarão reprovados na condução responsável de seus destinos.