Minha cozinha está brigando com a lavanderia. É uma rixa ancestral.
Faz tempo que eu vejo que uma está sacaneando a outra. As panelas odeiam o enxoval, ameaçando o seu perfume com fumaça. Não compreendo o motivo de os dois espaços ficarem colados se eles não se dão bem. Uma porta para as alas e as dinâmicas diferentes jamais será suficiente, até porque, na hora de cozinhar, esquecemos a porta aberta.
Mais grave seria se fosse cozinha americana. O ambiente conjugado é ideal para casalzinho ou solteiro. Invente de ter mais de dois filhos para entender o que significa o cheiro dos bifes pela sala. O ranço de gordura vai impedir o uso do sofá. A família partirá para evacuação imediata aos quartos.
Certa vez, ao estender as roupas, eu não achava mais nenhum prendedor disponível. Eu recém tinha comprado uma caixinha. Fiquei intrigado com o sumiço. Reparei que eles vinham sendo empregados para fechar os sacos dos produtos.
O feijão estava com prendedor. O café estava com prendedor. O arroz estava com prendedor. O milho estava com prendedor. O grão de bico estava com prendedor. Todos ridículos com tiara na cabeça.
Num exame de consciência, percebi que era eu mesmo que tinha realizado a relocação do material.
Se a minha mãe visse isso lá em casa, subiria nos tamancos. Ela é da época do granel, de pôr os grãos do embrulho do armazém diretamente para os potes. Ela tem mais potes do que armários.
Quando me visita, é um caos: preciso esconder a muamba da sua blitz policial e recolher desesperadamente os prendedores dos saquinhos.
Ela nunca se restringe a conversar conosco na sala, costuma nos dar um perdido na cozinha, uma vistoria camuflada, conferindo a ordem e a higiene do setor. Mãe e o projeto de lei “visite a minha cozinha” são sinônimos. Ela conclui que o prendedor, com a sua função deslocada, é o cúmulo da preguiça doméstica, da desorganização pessoal.
Pela sua mentalidade de Lego, não custa nada guardar os alimentos excedentes em vidros. Tanto que ela jamais joga fora as conservas de pepino ou palmito depois de usadas. Criou um cemitério de vidros vazios na sua área de serviço.
Se não há paciência para condicionar os mantimentos, a mãe defende a adoção dos arames brancos de pão, menos escandalosos do que os pregadores coloridos.
Talvez seja o momento de naturalizar o vício, lutar pela legalização dos grampos na despensa. Os supermercados poderiam nos ajudar na campanha já vendendo-os junto dos quilos dos alimentos não perecíveis, não mais ao lado das vassouras, do bombril e dos sacos de lixo.
Não sei o que posso fazer para estancar o contínuo desfalque dos prendedores e mudar os hábitos. Será que é intuitivo: colocamos a comida para secar depois de deixá-la de molho?