O desaparecimento da filha dos britânicos Kate e Gerry McCann, Madeleine, de 3 anos, é um dos mistérios mais comoventes de Portugal.
Você deve se lembrar. O caso insolúvel aconteceu durante férias familiares, em 2007. A menina sumiu de seu quarto no apartamento em que sua família estava hospedada na Praia da Luz, no sul de Portugal. Os pais da menina jantavam com amigos em um restaurante a 120 metros do resort. Madeleine e os dois irmãos menores dormiam sozinhos
A polícia alemã suspeita que a criança foi sequestrada e morta por Christian Brueckner, segundo um comunicado do Ministério Público de Brunsvique (200 km de Berlim). No ano passado, Brueckner foi processado por cinco crimes sexuais —nenhum relacionado à Madeleine.
Na época do incidente, os responsáveis, ambos médicos, terminaram questionados se teriam sedado os filhos para realizar o passeio. Nada ficou esclarecido.
Hoje, quinze anos depois, uma jovem polonesa Julia Faustyna, de 21 anos, realizou uma postagem no Instagram afirmando que ela é Madeleine McCann, mas que a polícia polonesa e inglesa —nacionalidade da família McCann— estão a ignorando.
Ela, que já se prontificou a se submeter a um teste de DNA, diz que não consegue se lembrar da maior parte de sua infância por sofrer de "amnésia pós-traumática". No entanto, tem flashes de férias em um país quente com apartamentos brancos e onde viu "tartarugas bebês".
A mãe de Julia defende que ela se encontra doente, alucinando, e que depende de ajuda psiquiátrica. Alega que possui fotos e fitas de videocassetes de quando era recém-nascida.
Se Julia for realmente Madeleine, o que considero uma possibilidade remota, será uma reviravolta milagrosa e mágica na história, um final feliz retumbante diante de uma tragédia consumada e prescrita pela falta de notícias.
Mas se for uma fantasia da polonesa, vejo que a família da desaparecida estará sendo torturada novamente, com o castigo de reaver a ilusão do resgate com vida para, em seguida, encarar a desilusão brutal da verdade.
Além da vivissecção do pesar, haverá a remontagem do circo cutucando as feridas e invadindo a privacidade do lar: volta o assédio dos repórteres, voltam as dúvidas e suspeitas. voltam as burburinhos e os holofotes, voltam os questionamentos de como os pais deixaram os filhos dormindo sozinhos, naquela inversão policial que sempre acontece das vítimas serem penalizadas pelo descuido.
O que mais agride o luto sem enterro, o luto sem corpo, é o trote. A falsa pista do paradeiro tem o poder absoluto de fazer o parente reviver o trauma e rebobinar o sofrimento, a culpa e o terror da perda para o seu ponto de partida.
É como um segundo homicídio, agora moral: o assassinato da esperança.